GEOCRUSOE
impressões de um geólogo amante de livros e música erudita que vive numa ilha vulcânica bela e cosmopolita
sábado, 15 de novembro de 2025
"Solitária" de Eliane Alves Cruz
terça-feira, 11 de novembro de 2025
"O último Avô" de Afonso Reis Cabral
Há já algum tempo que tinha curiosidade em descobrir os dotes de escrita deste descendente direto de Eça de Queirós, tive interesse nalgumas obras dele mas não cheguei a comprar, talvez por serem obras baseadas em personagens reais e temia serem deprimentes, mas desta vez fiquei desperto mal este romance saiu: "O último avô" de Afonso Reis Cabral.
Augusto Campelo é um escritor idoso reconhecido, mas de grande prepotência em família. Este decide queimar o manuscrito do que talvez fosse a sua obra magistral sobre o seu passado longínquo na guerra de Angola, o seu neto Augusto, seu grande admirador e que lhe segue as pisadas, é chamado, mas pouco depois o avô morre e deixa-o testamenteiro do seu legado. Começa a busca da provável existência de um original escondido em casa, vêm-lhe à memória o que o velho lhe contara sobre África, as recordações sobre sua mãe há muito morta que fugira para se libertar da força do pai que admirara e conhecera as narrativas da guerra. Recorda-se do papel da avó de equilibrar a força do marido, o peso social do sucesso e as tensões familiares . A morte do autor leva a novas pressões do mundo literário, da amante do avô e dos familiares sobre o que estaria no manuscrito e a necessidade de o publicar. Será que África teria assistido a um herói ou um carrasco que destruiria o bom nome que ao neto cabe proteger.
Afonso Reis Cabral não é uma réplica do seu trisavô, aliás a necessidade de alguém ser igual a si próprio e não uma cópia de um génio familiar é magnificamente trabalhada no romance. Escrito e narrado num estilo atual, o autor escreve bem, o romance cativa logo no início, depois entra-se num labirinto de memórias que cruzam três gerações, lugares diferentes e realidades distantes que no fim se entroncam num final surpreendente, cheio de revelações que mostram a distância que pode existir entre a imagem de um génio e a sua personalidade.
Fácil de ler, gostei e recomendo a qualquer tipo de leitor.
sábado, 1 de novembro de 2025
"Sensibilidade e Bom Senso" de Jane Austen
Acabei de ler "Sensibilidade e Bom Senso" da escritora inglesa do início do século XIX Jane Austen, apesar de se situar entre os escritores mais importantes daquele século, esta foi a minha obra de estreia na autora.
Eliane e Marianne são duas irmãs de comportamento distinto, a primeira racional ou sensata e a segunda romântica ou sensível, vivem com os pais, só que por morte do progenitor a casa e o dinheiro passam a pertencer maioritariamente ao meio irmão mais velho como primogénito. Este encontra-se casado com uma mulher ciosa da herança do sogro, o que leva a madrasta e suas filhas a terem de partir para outro condado para uma casa mais em conta e a uma gestão apertada dos rendimentos. Eliane tem uma paixão mal disfarçada pelo cunhado do irmão que também não assume o seu amor por ela, mas ambos mantêm o relacionamento num estado de letargia escondido dos olhos sociais. Marianne conhece Edward por quem se apaixona perdidamente e este também exibe a sua paixão, ambos de forma descuidada, enquanto outro vizinho mais velho nutre um amor por esta de forma discreta. Entre gestão de interesses de riquezas por casamento, traições, confusões e gestão racional ou irracional de paixões, a situação complica-se, sobretudo para Marianne, enquanto Eliane traz o bom-senso e cuida da irmã, mas quando tudo parece perdido a razão mostra-se superior para um inesperado final da obra.
A obra faz um retrato da época e da vida dos estratos sociais médio-alto a alto, em que a racionalismo e o romantismo estão em confronto, quando as mulheres estão fortemente dependentes dos maridos, numa classe onde os casamentos eram frequentemente por interesse e o amor pouco contava na família para este tipo de união.
Uma escrita lúcida, elegante, mais descritiva do que criativa e fortemente temperada pelo ângulo feminino, numa época em que ser mulher e escritora era praticamente impossível e só concretizada por alguém que pela sua qualidade narrativa e tato conseguiu se impor no panorama cultural, pela sua genialidade de retratar tensões de conveniência social, sensibilidade e de moralidade, bem como a arte de sobrevivência em sociedade. Gostei, apesar de ser uma obra datada, centrada no feminino e apenas nos estratos sociais mais altos.
segunda-feira, 13 de outubro de 2025
"Aventuras de Sherlock Holmes" de Arthur Conan Doyle
Neste caso, confesso, que o título induziu-me em erro, pois pretendia comprar as histórias curtas mais antigas com este detetive, pois estas foram sendo publicadas avulso na revista "The Strand Magazine" e depois reunidas, cronologicamente, em conjuntos de livros, onde os primeiros ficaram numa coletânea com o título "The Adventures of Sherlock Holmes". Apesar da semelhança no título, este livro seleciona 7 dos 13 contos do terceiro volume que possui o título original "The Return of Sherlock Holmes" que possuo com o nome de "O retorno de Sherlock Holmes", que ainda não li, duma diferente editora e tradução distinta.
Apesar desta confusão, os sete contos são todos eles cativantes, sendo que neste se encontra "A aventura da casa vazia", onde se narra como Sherlock Holmes sobreviveu ao conto anterior "O Problema Final" no qua se deduzia da morte do detetive e fechava a coletânea com o nome "As memórias de Sherlock" Holmes" que consta do livro aqui falado no neste blogue.
Histórias fáceis de ler, bem construídas, com mistérios e crimes desvendados pela argúcia do poder de observação de Sherlock Holmes", faltam-me ler agora os restantes contos contidos em "O retorno de Sherlock Holmes".
sexta-feira, 26 de setembro de 2025
"Não se pode morar nos olhos de um gato" de Ana Margarida de Carvalho
Citações
"E quem só dá conta de pequenos males, enche-se tanto deles que acaba por não sobejar espaço para o mal grande."
"não é Deus que dorme, nós é que o sonhamos."
Há livros que, inicialmente, me custa prosseguir a leitura "Não se pode morar nos olhos de um gato", da portuguesa Ana Margarida de Carvalho, foi uma dessas obras. Há uns anos atrás desisti mesmo na primeira meia dúzia de páginas e agora quase que repetia o ato, venci esta rejeição do começo e depois deparei-me com um romance magnífico com prémios literários plenamente justificados. Que grande e magistral livro. Tinha-me sido recomendado por este blogue do Brasil com que troco opiniões literárias, estranhei os elogios de então dados por Pedrita, agora, rendido ao romance, dou-lhe toda a razão. Valeu a pena!
Após o fim da escravatura no Brasil, um navio negreiro clandestino naufraga na costa daquele País, os escassos sobreviventes: um capataz, um criado deste, a mulher e a filha do negreiro, um padre, um bebé negro, um jovem rejeitado, um antigo escravo e a imagem de uma santa cabocla, que os parece censurar; atingem uma pequena praia isolada que duas vezes por dia é galgada pela maré e situada sob uma falésia com uma pequena gruta que lhes permite evitar o afogamento. Entre eles, os preconceitos individuais e a necessidade de cooperação para sobreviver, a que se juntam as memórias e os remorsos de passados sombrios e não recomendáveis de cada um que perturbam o presente, mas todos terão de ultrapassar tudo isso para almejar uma escapatória da situação, enquanto novos sentimentos de ódio e paixão se desenvolvem entre eles.
No primeiro capítulo vemos a vida no navio pelos olhos da santa de pau com cabelo índio: a violência do comandante sobre a tripulação, do capataz sobre os escravos clandestinos, o comportamento dos passageiros, bem como a escassez de água e comida e reações extremas que justificam o castigo do naufrágio. Depois, temos as vivências dos náufragos na praia isolada e em cada capítulo recuamos ao passado de um dos vários sobreviventes. Assim percebemos as tensões e vícios que lhes vão na alma, frequentemente intercaladas com ditos justificativos da autora sobre as reações observadas.
Uma escrita criativa que amplia as tensões psicológicas e cujas máximas que culminam esses momentos fornecem imensas frases para sublinhar e refletir, mas que no início me custou a digerir e depois admirei. O vocabulário junta termos de uso mais comum no Brasil com outros de Portugal, evidenciando a riqueza da lusofonia que, efetivamente, fala uma grande língua comum.
Gostei mesmo deste romance, um livro muito bom, uma grande obra literária de partilha lusófona, nem sempre fácil, mas capaz de agarrar o leitor pela tensão, suspense e drama psicológico. Recomendo.
sexta-feira, 12 de setembro de 2025
"O Signo dos Quatro" por Conan Doyle
Li mais um livro policial com Sherlock Holmes, "O Signo dos Quatro", escrito pelo inglês Conan Doyle. Das muitas investigações deste detetive, só 4 têm dimensão de romance, sendo este o segundo por ordem cronológica, já que importa referir que, por vezes, nos casos relatados, tanto em obras maiores, como nos contos, existem referências a obras anteriores.
Neste Sherlock começa por dizer a Watson que está deprimido por falta de enigmas por resolver, quando uma jovem lhe vem bater à porta e contar a situação do desaparecimento do seu pai, há já vários anos, sem deixar rasto, mas que nos anos mais recentes passou a ser presenteada por uma pérola como justificação pelo facto de ter sido prejudicada no que teria direito de seu pai e, nesse mesmo dia, fora convocada para um encontro para se fazer essa justiça. Para tal deveria levar dois amigos como testemunhas, pelo que os vinha convidar para o efeito. A situação vai levá-los a deparar-se com outro assassinato e à resolução do caso pela perícia de Sherlock, numa aventura que tem um momento de grande suspense numa perseguição em barcos pelo rio Tamisa.
Este é o romance em que Watson se apaixona, precisamente pela jovem que os convidou a acompanhar e a tentar resolver o caso, decide casar pelo que nas obras cronologicamente posteriores, a dupla deixa de viver no mesmo apartamento e separam-se e só se reúnem temporariamente para resolver casos a pedido de Sherlock.
Livro fácil de ler, numa narrativa lúdica, agradável e com suspense que recomendo a quem gosta de obras policiais clássicas, pouco violentas apesar de crime, mistério e solução.
quinta-feira, 4 de setembro de 2025
"MaddAddam" de Margaret Atwood
segunda-feira, 25 de agosto de 2025
"O Ano do Dilúvio" de Margaret Atwood
quinta-feira, 14 de agosto de 2025
"Órix e Crex (O último homem)" de Margaret Atwood
Passado cerca de 20 anos, reli, agora em português, o romance "Órix e Crex" que encontrei na biblioteca pública da Horta. Um livro da canadiana Margaret Atwood, que na tradução lusa tem o subtítulo "O Último Homem", no original só "Oryx and Crake". Este é o primeiro livro de uma trilogia que já li integralmente em inglês, contudo, apenas falei neste blogue do último volume, já que as leituras dos anteriores decorreram antes da existência de Geocrusoe ou deste se ter tornado um espaço para falar de livros.
O romance decorre num futuro próximo, distópico, com o descontrolo da investigação tecnológica, sobretudo, da genética; num ambiente de catástrofe das alterações climáticas, no niilismo das pessoas e da dominância dos interesses económicos e capitalistas dos empórios industriais e comerciais. O que gerou uma sociedade de desigualdades na vidas do génios, acolhidos pelas empresas, face à dos cidadãos comuns, uma realidade geradora de uma violência intensa, novas religiões ecologistas e separação entre os espaços paradisíacos para os protegidos e os infernais para os restantes, as plebelândias. Um sistema mantido à custa de uma polícia de segurança altamente poderosa com uns serviços de informação que espiam tudo e prontos a agir para a preservação da situação sem qualquer respeito pelos direitos dos cidadãos.
No livro vemos o mundo pelos olhos de Jimmy, de inteligência mediana, criado no mundo dos privilegiados, que estabeleceu amizade com o seu colega de escola Glenn, um génio nas ciências de ponta. Este adota o nome de Crex como guru na maratona entre os animais extintos e as novas criações genéticas, ambos viram as suas famílias dilaceradas por questões de segurança e no passatempo de pornografia da internet descobrem outra criança por quem se apaixonam, em adultos, esta será chamada a viver no seu mundo como Órix, só que a desilusão de Crex com a humanidade leva-o a criar um ser perfeito e a destruir a espécie humana, deixando Jimmy a tarefa de cuidar da sua criação no pós-humanidade, quando este adota o nome de Homem das Neves.
A narrativa passa-se no período pós-humanidade, onde vemos a vida quotidiana do Homem das Neves, o sobrevivente da calamidade premeditada por Crex que protegeu apenas Jimmy, vamos então percebendo o seu papel de cuidador dos crexianos criados por Crex e a descrição destes seres perfeitos na ideia daquele, este presente é intercalado com as memórias da sua vida anterior dentro dos grandes espaços dos privilegiados, descrição dos produtos destas empresas: géneros alimentares altamente processados e geneticamente modificados, drogas para sensações de bem-estar além do natural e animais e plantas híbridos para os fins mais diversos. Neste mundo, os dois amigos têm como passatempo a internet, com jogos e onde se percebe a vida miserável e violenta nas plebelândias.
É um romance ao mesmo nível dos de ficção distópica do futuro da humanidade na Terra como "1984" e o "Admirável Mundo Novo", Órix e Crex mostra o caminho arriscado atual da humanidade com a combinação da evolução tecnológica, o capitalismo desigual e o niilismo da sociedade, além do perigo de alguém genial se revoltar contra este mesmo mundo e intencionalmente o destruir e ainda como pode ser uma aberração querer criar algo perfeito com base em critérios humanos.
sexta-feira, 1 de agosto de 2025
"Less" de Andrew Sean Greer
Li "Less", a minha estreia absoluta no escritor norte americano Arthur Sean Greer. Um romance que venceu o prémio literário Pulitzer e Northern California Book Award, que a juntar ao facto de parecer um livro cómico, me conduziu à minha escolha de leitura na visita à biblioteca pública João José da Graça, na Horta.
Arthur Less é um escritor inseguro da sua qualidade literária, um pouco desenquadrado da realidade e homossexual. Ao aproximar-se da data do seu aniversário dos 50 anos, teme a velhice e recebe um convite para o casamento do seu anterior parceiro. Para fugir às bodas, decide então participar num conjunto de eventos e torno do mundo: México, Itália, Alemanha, França, Marrocos, Índia e Japão. Neste périplo tropeçará na sua insegurança e medos, estes criarão situações complicadas, por vezes hilariantes e fá-lo-ão recordar a relação que teve com um poeta, bem mais velho e famoso, que se separou da mulher para viver com ele, mas que a ela voltou e são os três amigos, as memórias do seu último namorado, bem mais novo que ele, que está em vias de casar. Na viagem quase se apaixonará de novo, cometerá várias gagues de traduções, será homenageado e terá estranhas experiências em culturas diferentes. Ocorrências por vezes cheias de humor, outras sentimentais e até tristes... ao voltar de novo a casa, estranhamente, o seu o amor espera por ele.
Fácil de ler, com várias referências artistas de renome é uma obra sobre os medos do envelhecimento e o receio que este seja uma fase sem amor, de solidão e exclusão. Não sei se a orientação sexual do protagonista pesou mais nos prémios se o conteúdo da história. Uma obra simpática e sem preconceitos.
terça-feira, 22 de julho de 2025
"Os cus de Judas" de António Lobo Antunes
Citação
"... é a nossa própria morte que tememos na vivência da alheia e é em face dela e por ela que nos tornamos submissamente cobardes."
Não sei há quanto tempo, nem onde comprei "Os cus de Judas" um dos primeiros romances deste escritor português considerado por muitos como merecedor do prémio Nobel da literatura.
Numa noite de solidão do narrador, num bar noturno em Lisboa, este, perante uma mulher que deve então ter conhecido, expõe-lhe as suas memórias de criança até à ida para a guerra em Angola como médico. Ali prestou serviço perto de dois anos junto às frentes de combate, em lugares distantes e ermos (popularmente "cus de Judas") do leste daquele território. Ficamos a conhecer o menino mimado olhado pela sua família aristocrática que via no serviço militar o modo de alguém se tornar "homem"... recém-casado parte para a guerra numa viagem de gente infeliz, vê a Luanda da década de setenta, parte para o interior onde assiste à inutilidade da guerra para manter um regime na Capital e o bem-estar de umas poucas famílias, exploradoras da população africana, indiferentes à dor, morte, desilusão e desespero daqueles jovens, vigiados pela PIDE e que se distraíam no uso de mulheres locais. Anos depois não consegue ultrapassar os traumas, o arrependimento da sua cobardia, o que o leva ao fim da sua relação matrimonial, sustenta as lembranças da filha e ao encontro com mulheres que depois traz para o seu apartamento à noite como esta após muito álcool.
Uma narrativa que terá muito de autobiográfico, talvez também, para exorcizar a revolta silenciada do autor por medo do regime em vigor em Portugal durante a guerra colonial e publicado pouco a seguir à época revolucionária de desforra do passado. Um texto com muitas metáforas sucessivas com longos parágrafos e a uma única voz, já que as personagens brotam do testemunhado do narrador. As descrições possuem numerosas referências a grandes obras e artistas do mundo da pintura, da literatura, da música, etc., mas sem citações, apenas referências, comparações.
Apesar de ser um obra de sofrimento, com momentos muito duros de violência psicológica e humana, não existem relatos de batalhas, tudo se passa na retaguarda das frentes de combate nos cus de Judas, onde o médico está a receber e a tentar salvar as vítimas físicas e os derrotados psicologicamente por tudo o que ali se assiste e ele socorre.
Um pequeno grande livro de guerra, duro e onde se mostram as feridas que ficam na alma depois das batalhas por muitos e muitos anos.
quarta-feira, 16 de julho de 2025
"As memórias de Sherlock Holmes" de Arthur Conan Doyle
Pela primeira vez li contos protagonizados por este famoso detetive da literatura policial e escritos pelo profícuo autor inglês: Arthur Conan Doyle, apesar de as narrativas curtas serem independentes, existem, por vezes, referências a histórias publicadas anteriormente, pelo que, em parte a narrativa é sequencial, mas um erro meu no momento da compra, levou-me a adquirir inicialmente o segundo livro destas histórias, precisamente "As memórias de Sherlock Holmes".
Neste volume são narradas 11 aventuras pelo seu permanente companheiro de investigação, o médico Watson, dimensões semelhantes e na ordem e duas a três dezenas de páginas cada. Todas são como memórias, não do protagonista, mas do doutor que o acompanhou, algumas são charadas, outras crimes e a última um confronto épico de inteligência com o seu inimigo figadal: o Professor Moriarty por Sherlock lhe destruir a sua quadrilha de malfeitores.
São contos muito fáceis de ler e de puro entretenimento, mas muito diferentes do estilo de Agatha Christie de quem tanto tenho lido, nesta autora é, sobretudo, a análise psicológica que leva à descoberta do criminoso, em Conan Doyle, são pistas físicas que cuja análise e interpretação conduzem à descoberta, mas onde os conhecimentos do detetive vão mais longe que os dados postos na narrativa e dificilmente o leitor se sente na posse de tudo. Sendo histórias da transição do século XIX para XX, muitas das tradicionais pesquisas forenses dos policiais mais recentes estão ausentes aqui, não se fala de impressões digitais, ADN, tipos e pesquisas de sangue oculto, etc.
Gostei e penso explorar mais este personagem que de facto só mais recentemente comecei a ler e recomendo a qualquer leitor que goste do género policial.
domingo, 6 de julho de 2025
"Contos" de Eça de Queiroz
Voltei à minha coleção, que possuo há mais de 30 anos, das obras completas de Eça de Queiroz, da qual já li os romances, mas falta-me ainda vários volumes com outros tipos de obras.
terça-feira, 24 de junho de 2025
"Zona" de Mathias Énard
"... estamos todos ligados uns aos outros pelas amarras indissolúveis do sangue heróico, pelas intrigas dos nossos deuses ciumentos..."
Estreei-me num dos mais originais escritores atuais de França: Mathias Énard, com uma das suas obras mais singulares e premiadas, "Zona".´
Francis quer deixar o seu passado e com uma identidade falsa está na estação de comboios de Milão numa ligação para Roma onde é abordado por um louco que lhe fala do fim do mundo. Este incidente irá levá-lo no resto da sua viagem a refletir sobre o que foi a sua vida, as suas relações amorosas e as repetições dos atos de violência por muitas outras vidas que também amaram e construíram a história da Europa. Numa sucessão de pensamentos, descobrimos o que ele foi depois de ter sido voluntário no exército croata na guerra civil dos Balcãs do final do século XX, nesta matou, foi violento, viu as atrocidades da guerra e perdeu amigos de luta. Na sua nova função circulou por toda a bacia do Mediterrâneo e recolheu dados de numerosos casos de comportamentos atrozes no passado do Continente, incluindo de seus antepassados, envolvendo homens de cultura como escritores, fotógrafos, filósofos, bem como espiões, militares e executivos políticos que foram gente degenerada e autores de tantos horrores.
Aos poucos vamos conhecer intervenientes e comportamentos medonhos na guerra civil de Espanha, no genocídio nazi, na Itália fascista, na luta da independência e ditadura da Grécia, na guerra de Israel com os seus vizinhos Palestinianos, passamos pelo Líbano, a Síria, a Argélia, Marrocos e Egito, recuamos aos homicídios da primeira grande guerra do século XX, ao genocídio Arménio e vamos até o tempo da batalha de Lepanto, a queda de Constantinopla sempre à sombra das vontades dos deuses gregos ávidos de sangue nomeadamente na batalha de Troia e sua redescoberta.
A narrativa é constituída por XXIV capítulos mas apenas um único parágrafo de mais de 400 páginas, sem pontos finais, com menos vírgulas face ao normal e sinais de interrogação limitados ao mínimo, quando geraria dúvidas não estarem lá. Nas deambulações de Francis muda-se de lugar, de tempo e de sujeito em cadeia. Este extenso parágrafo é intercalado por dois capítulos não sucessivos, onde é exposto um conto da guerrilheira Intissar da OLP em Beirute, este com pontuação regular e integrado num livro que Francis leva, lê e interrompe os seus pensamentos.
Apesar de várias personagens em torno de Francis serem ficcionais, há numerosos e extensos relatos em torno de pessoas históricas e ocorrências conhecidas com nomes no campo da cultura, da guerra e da política que vão desde Espanha ao Médio Oriente, ao genocídio dos judeus e dos arménios, do império Austro-húngaro que envolvem Cervantes, Caravaggio, Céline, Ezra Pound, Wlliam Burroughs, Malcom Lowry, Millan Astray, Rudolf Hess, Brasillach, Globocnik e muitos outros associados aos locais por onde a narrativa passa, com relatos de situações negras da vida pessoal deles, referências a livros, quadros e descrição de atrocidades públicas cometidas na bacia do Mediterrâneo, isto de modo a montar uma edifício gigante de horrores, derramamento de sangue e de loucuras que pesa na história de toda esta bacia, berço da civilização ocidental, onde tudo está ligado num campo de batalha sob os desígnios dos deuses gregos, cuja memória e culpa Francis de que se quer libertar.
Nem uma única vez Portugal é mencionado, fascismo, nazismo, sionismo, colonialismo e outros ismos terríficos ocorridos em espaços que não bordejem este mar não são desenvolvidos na obra, daí o Estalinismo e afins de esquerda passarem praticamente incólumes.
Descrições sublimes de algumas cidades como Salónica, Alexandria, Tanger, Beirute, Istambul, Veneza, Trieste, Barcelona e algumas ilhas Gregas e referências a obra de arte como canções, com destaque para Lili Marleen, livros históricos, de poesia e grandes romances, fotos, pinturas e acontecimentos históricos, que já fizeram notícias dos jornais do meu tempo como a guerra dos Balcãs e do Médio Oriente, entram cheios de vida neste parágrafo.
Uma técnica nova de escrita obriga o leitor a encontrar o seu modo de leitura, o que para começar não é fácil, aceitei as memórias narradas como uma sucessão de pequenas ondas que se vão espraiando na praia enquanto eu as olho meio mergulhado e me deixo banhar sem me preocupar com a anterior ou a seguinte, depois tudo flui e se vai encaixando no seu lugar, o tempo, o lugar e os autores e a partir daí é degustar esta ondulação que nos vai banhando até à última página. Gostei muito, apesar de não ser uma obra fácil, cheia de informações históricas e culturais, um texto que não deixa de desafiar um amante de literatura.
sábado, 7 de junho de 2025
"O Problema Final" de Arturo Pérez-Reverte
Citação
"Tratando-se de seres humanos, nunca se deve atribuir à loucura o que se pode atribuir à perversidade"
Voltei ao versátil escritor espanhol Arturo Pérez-Reverte com a leitura do seu mais recente romance, agora de género policial: "O Problema Final" mas onde, intencionalmente, revisita o estilo de tantos livros clássicos do mesmo género da primeira metade do século XX.
Em junho de 1960, numa pequeníssima ilha grega, ao largo de Corfu e com apenas um hotel, ficam retidos nove hóspedes por questões meteorológicas, quando se dá a morte de uma destes, inicialmente parece um suicídio num quarto fechado, só que entre os presentes encontra-se Hopalong Basil, um dos principais atores de filmes de Sherlock Holmes na primeira metade do século que encarnou muito do caracter da sua personagem, bem como, um escritor com algum sucesso de livros policiais, provavelmente medianos e conhecedor da obra de Conan Doyle, que são indicados pelos presentes para tentar desvendar o caso, que assim assumem o papel da dupla Sherlock e Watson. Após o aparecimento de indícios cada vez mais evidentes do crime, dá-se uma segunda morte, novamente em quarto fechado e quando o círculo aperta, a terceira surge com evidências bem diferentes. Será que o ator de Sherlock por excelência conseguirá igualar a sua personagem? Uma obra com surpresas até às últimas páginas.
Numa excelente qualidade de escrita, a obra do género policial, onde a sagacidade e minúcia de observação do investigador está acima do género negro mais recente, em que a violência da descrições, o suspense do ato seguinte se sobrepõem à frieza da análise que vai sendo exposta na narrativa e discutida entre protagonista e seu auxiliar, com abordagens à psicologia e numerosas referências e citações da obra de Conan Doyle, menções de casos de Agatha Christie, Gaston Leroux, Poe entre outros escritores policiais. Assim, resulta uma obra que permite muitos sublinhados de citações que, frequentemente, são referenciadas a outras obras
Por o protagonista ter sito um ator famoso de cinema, a obra fala de numerosas estrelas da sétima arte da primeira metade do século XX, bem como de alguns realizadores, fazendo assim memória e homenagem àquelas luzes da ribalta de há longas décadas que encheram as colunas sociais e hoje quase esquecidos fora dos historiadores desta arte. Igualmente é colocado em confronto numerosos aspetos da representação e a realidade ou a forma de narrar pela escrita, desnudando estratégias de encaminhar o leitor ou o espetador ao longo do romance mistério, tendo em vista engrandecer a capacidade do detetive ou prender o público.
Cativante sobre todos os ângulos, eis uma obra-prima literária no género policial clássico, sem deixar de ser de entretenimento, sendo também uma grande homenagem aos grandes autores deste mesmo estilo de obras e do cinema. Gostei muito é, sem dúvida, um livro muito bom.
segunda-feira, 26 de maio de 2025
"O Papagaio de Flaubert" de Julian Barnes
O que é que nos faz querer saber o pior? É por nos cansarmos de preferir saber o melhor?... Ou, mais simplesmente, aquele desejo de saber o pior é a perversão favorita do amor?
Regressei novamente ao escritor britânico Julian Barnes de quem tudo o que li até hoje gostei e "O papagaio de Flaubert" não foi exceção.
O médico inglês, reformado e viúvo, Braithwaite, visita Ruão, na Normandia, como admirador do escritor Gustave Flaubert, onde se depara com dois papagaios embalsamados em dois museus e ambos a assumir a autenticidade de corresponderem à ave que esteve no centro de um dos contos famosos do autor. O dilema leva a uma dissertação sobre a vida do grande romancista francês do século XIX, iniciador do realismo literário, os seus defeitos, virtudes, a sua genialidade, os seus gostos, o seu bestiário, o seu comportamento público e incoerências privadas, as suas relações amorosas e culturais, o seu posicionamento perante os maiores autores da sua época, as suas viagens e pesquisas, os seus ditos e aspetos dos seus livros mais importantes, como "Madame Bovary". Tudo isto para no fim procurar descobrir a verdade sobre qual era mesmo o papagaio de Flaubert.
À semelhança de "O ruído do Tempo" cuja personagem principal é o histórico músico Shostakovitch do século XX; o romance que agora li, também não é bem uma biografia no verdadeiro sentido do termo sobre a figura histórica de Flaubert, seguramente não é uma coletânea de verdades sobre o mesmo, mas é um encadeado de factos sobre o escritor, com algumas especulações e reflexões sobre o mesmo, bem como uma análise sobre a literatura, a verdade no interior da ficção, a presença do autor e dos seus conhecidos dentro desta e uma discussão sobre a cultura e o papel da arte num contexto de época. Tudo isto muito bem escrito, com algum humor, irreverência e sentido crítico.
Talvez não seja uma narrativa fácil para quem gosta de seguir uma história linear simples, mas é sem dúvida um excelente texto, provavelmente uma obra de culto que se pode tornar num clássico do final do século XX. Gostei imenso.
sexta-feira, 16 de maio de 2025
"O Jogo Preferido" de Leonard Cohen
Decidi ler este livro, que encontrei casualmente na Biblioteca Pública da Horta, por ser um apreciador de muitas das canções do Canadiano Leonard Cohen, que sabia também ter publicado livros de poesia, mas que não o conhecia como ficcionista.
Em "O jogo preferido" Lawrence Breavman é o filho único de uma família judia rica e influente do bairro favorecido de Montreal: Westmount. Ele, com o seu amigo Krantz, vão descobrindo desde a infância a sexualidade ingénua com amigas comuns e depois, de forma cúmplice, vão amadurecendo as relações com outras jovens até que o seu pai morre precocemente, então, para se libertar do comportamento egocentrista da mãe, opta por uma vida de liberdade, de descoberta da cidade e das mulheres que vai conhecendo e com quem vai vivendo, assim estas vão desfilando na sua vida enquanto começa a desenvolver a sua carreira de poeta. No encadear das suas ligações amorosas em série, numa estadia em Nova Iorque, ele descobre Shell, apaixonam-se e passa a fazer um autoanálise do seu passado, a questionar-se e a procurar o seu caminho que se cruza com uma oferta para um emprego de verão na sua cidade.
Breavman, não sendo exatamente um alter ego de Cohen, tem provavelmente muito da vida do autor, do modo como estabelecia as suas relações amorosas, as transformava em amizades, bem como mostra o estilo de vida da juventude da minoria judia anglófona da cidade de Montreal, esta maioritariamente francófona, em meados do século XX.
Na narrativa, o escritor, ainda sem a projeção da sua carreira que o tornou um ícone do Canadá, coloca, por vezes, o protagonista a observar o seu passado e a descrever a cena como um espetador de si numa película cinematográfica. O texto pontualmente possui uma linguagem mordaz sobre o modo de viver das gentes como Breavman, os judeus e a cidade de Montreal e, muito provavelmente, Cohen.
Além das várias mulheres que defilam neste romance, uma criança que entra na obra, que se deduz ser um autista a viver numa época em que a diferença era algo pouco aceitável, Cohen, através de Breavman, mostra uma ternura e compreensão que evidenciam o humanismo daquele cantor de ligações amorosas instáveis.
Gostei, embora não me tenha deslumbrado como com muitas das suas canções e poemas.
















