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domingo, 27 de março de 2016

Feliz Páscoa para todos

Ressurreição de El greco

Aproveito esta mensagem para desejar a todos os que por aqui passam os meus votos de Feliz Páscoa.

sexta-feira, 25 de março de 2016

"Deixem passar o homem invisível" de Rui Cardoso Martins

O romance "Deixem passar o homem invisível" de Rui Cardoso Martins, vencedor do prémio romance/novela da Associação Portuguesa de Escritores em 2009, decorre durante as operações de salvamento de um cego, o protagonista, e de uma criança, sugados por um esgoto antigo de Lisboa na sequência de uma inundação relâmpago da cidade.
Habitualmente não gosto da escrita de jornalistas que viram a escritores, mas este foi uma exceção, não deixa a sensação de se estar a ler uma reportagem ou um texto demasiado estilizado para disfarçar o tom de redação noticiosa. Gostei da forma como escreve.
Todavia a estória surpreendeu-me, tinha imaginado que esta se desenvolvesse segundo duas linhas possíveis: uma viagem pelo subsolo lisboeta ao estilo de guia subterrâneo de uma Lisboa menos conhecida ou uma narração com a forma diferente de um cego ver o mundo e de este o ver. Afinal no romance existem muitos relatos paralelos da vida das personagens mais importantes da obra, memórias anteriores ao momento em que a ação se desenrola: a operação de busca e resgate. Há dissertações sobre a religião, a vida de santos, os milagres ansiados para a cura da cegueira e até espetáculos de magia e os azares de vida do principal amigo do protagonista, um mágico pouco afortunado. Por vezes salta-se do mundo do ilusionista para o dos milagres, que talvez nem sejam tão distantes assim, mas o certo é que o final da história me surpreendeu e talvez daí resultar uma certa desilusão nas minhas expectativas.
Este é o segundo livro que leio onde a igreja de São Sebastião da Pedreira é o ponto de partida para uma Lisboa subterrânea e onde a ameaça de um terramoto se concretiza sobre a cidade, o outro: "Terramoto" de Vitorio Kali, li-o há mais de 20 anos, fico com alguma suspeita de não ser uma mera coincidência, mas as obras são bem diferentes.
Sobre o romance que agora li, houve passagens de que gostei, outras em que me diverti com a ironia que praticamente é transversal a toda a obra, mas tambén senti aproveitamentos fáceis de abordar crenças religiosas e que se podia ter ido mais além nas vias que esperava encontrar, todavia penso ser uma obra interessante de se ler e cada um depois tirar a sua opinião

segunda-feira, 21 de março de 2016

"Vida após Vida" de Kate Atkinson



"Vida após Vida" da inglesa Kate Atkinson e romance vencedor do prémio Costa 2013, é uma obra excelentemente estruturada, onde no início a protagonista morre no parto em 2010 e imediatamente a mesma cena é reescrita para sobreviver, passando a ser esta a marca da obra. Assim a narração da sua vida irá ora ser recomeçada, ora recuada e alterada sempre que o evoluir da via seguida desemboca num beco, várias vezes inclusive na escuridão final. É como se a narração, magnificamente escrita, seguisse um labirinto onde por vezes se tem de voltar atrás para se avançar por uma nova via diferente sem se ter a certeza se é o caminho definitivo que leva de facto à saída ou se se terá de regressar outra vez ao ao ponto de partida anterior.
Apesar de numerosos avanços, recuos e recomeços, a obra nunca perde interesse e torna-se aliciante ver as variações das mesmas situações que a protagonista cruza nas diferentes alternativas antes contadas, inclusive nas personagens secundárias. Não se está num mundo de universos paralelos, pois estes cruzam-se e deixam memórias que deliciam o leitor ao reconhecer aquilo que já foi referido noutra via ao descobrir as alterações depois introduzidas.
Deste modo contam-se cenas marcantes de metade da história da Europa no século XX, com um enfoque maior para o período da segunda grande guerra, onde nalgumas alternativas os relatos são de grande violência descritiva, outros irónicos ou sarcásticos, época na qual a protagonista não só vai viver na proximidade de Hitler, como nunca sairá da Inglaterra, será vítima do conflito ou até mesmo uma ativista social e sobrevivente até chegar a conhecer a guerra dos seis dias na década de 1960.
Uma obra genialmente escrita, extremamente original e sem dúvida uma obra-prima literária, gostei muito e recomendo a quem gosta de boa literatura como forma de arte de escrever, narrar e até refletir. Pena na realidade não podermos voltar atrás e recomeçar mudando de novo o anterior passado para experimentar um outro presente.

sábado, 12 de março de 2016

"Desmobilizados" de Phil Klay


O livro "Desmobilizados" de Phil Klay reúne 13 contos que num jogo de espelhos conseguem denunciar o absurdo da guerra em si, as questões psicológicas dos militares, a sua diversidade de ver a morte, o inimigo, a ética, a moral; questionar ainda a política, a sociedade americana e as razões desta invasão; também mostrar o medo e o vazio da religião perante a dureza do que se passa bem como os aproveitamentos no campo de batalha por muitos iraquianos e norteamericanos, o ridículo por vezes do estatuto do veterano e os traumas com que estes podem ficar para sempre.
Escritos de uma forma realística sem grandes artifícios estilísticos de nível literário, alguns contos possuem a linguagem dura de caserna com todos os tiques de calão e de mentalidade grosseira, machista e de heroicidade oca com que são doutrinados psicologicamente nos treinos, outros usam uma uma narrativa mais introspetiva e moral de quem questiona a ética nesta guerra ou desempenha papeis religiosas na frente de combate. Os contos completam-se e constroem uma visão global do que se pode ver do lado ocidental da segunda guerra no Iraque sem esconder o que foi a destruição da sociedade e cultura no país invadido. 
A obra não julga diretamente esta guerra, mas questiona tudo e de facto constitui um grande livro e um tratado sobre esta guerra que vale a pena ler, apesar de algumas páginas psicologicamente e outras fisicamente muito violentas.
Um livro cujo texto traduzido apresenta alguns falhas que deveriam ser revistas caso haja uma nova edição, mas que pela riqueza do retrato que faz de uma realidade atual justifica o facto do original ter sido uma obra premiada em 2014 e ainda por cima escrita por quem viveu esta guerra por dentro. Gostei muito e embora seja uma obra de guerra, penso que muitos a deviam ler pelas questões e situações com que nos faz confrontar sobre o que ainda se passa neste momento no médio oriente.

domingo, 6 de março de 2016

"Noites Brancas" de Fiódor Dostoiévski


"Noites Brancas" de Dostoievski é mais um conto do que uma novela, uma de muito menor extensão que os seus famosos romances e num estilo romântico muito diferente do realismo a que me habituara neste escritor. Todavia a luta psicológica típica do autor está presente no protagonista que é um sonhador extremo e que vive os os seus sonhos solitariamente.
Apesar das suas escassas 100 páginas, é uma obra tocante, passado no equinócio de verão de São Petersburgo, quando as noites são diminutas e a luz quase sempre presente, por isso denominadas brancas. Apenas quatro noites deste sonhador em que encontra uma mulher que se sente rejeitada da promessa de regresso do seu prometido e se apaixona por ela, mesmo assim  o altruísmo do seu amor o leva a ajudar de forma a ela ser feliz em prejuízo da sua paixão, assim se desenrola um diálogo de um lirismo e despojamento extremo com um final simbólico do amor que se dá plenamente em favor da pessoa amada.
Muito romântico e uma lição de amor, um pequeno livro com uma enorme mensagem sobre o que é amar. Fácil leitura e acessível a qualquer pessoa. Altamente recomendável e um pérola literária.

sábado, 5 de março de 2016

"Murther & Walking Spririts" de Robertson Davies


Um atraso no envio de uma compra de livros levou-me a regressar à minha estante de obras em inglês de autores Canadianos e a optar por um dos escritores mais importantes do Canada da segunda metade do século XX, Robertson Davies, que está entre os que mais admiro e gosto ao nível global, pena estar tão pouco traduzido em Portugal, tendo em conta a sua importância literária reconhecida internacionalmente.
"Murther & Walking Spririts" foge ao estilo mais frequente das obras de Robertson Davies que na generalidade correspondem a romances em ambientes reais que descrevem problemas e tensões concretas de determinados grupos com uma escrita límpida, elegante e fácil, frequentemente cheia de humor e ironia subtil.
O presente romance começa com o assassínio do protagonista por um colega de trabalho, com caráter medíocre, do departamento de cultura de um meio de comunicação social de Toronto, quando este foi surpreendido em flagrante no quarto com a esposa do primeiro. A partir daqui Gilmartin assassinado acompanha com um certo prazer irónico e bom humor a forma como agem os culpados da sua morte e às cenas do seu próprio funeral, sendo depois levado a assistir a um festival de cinema da sua iniciativa, agora sob a orientação do assassino, só que em vez de ver os filmes clássicos históricos exibidos na tela, esta mostra-lhe filmes homónimos onde os protagonistas são seus antepassados desde a independência dos Estados Unidos que se refugiaram no Canada, tanto ingleses fieis ao governo das suas raízes, como descendentes dos holandeses que criaram a colónia que hoje é Nova Iorque, como ainda galeses que mais tarde por dificuldades na sua terra se veem forçados a emigrar para a mesma região do Novo Mundo fiel a Inglaterra.
Assim, este romance desenrola-se numa sequência de histórias independentes de vidas com luta pela sobrevivência numa sociedade difícil que no fim se cruzam em Gilmartin, que apreende não só "lições de vida" a usar na continuação da sua nova "vida", como ainda desemboca no fardo que castigará o seu assassino de uma forma igualmente original.
Robertson Davies, um homem de alta craveira inteletual e cultural, dá-nos nesta obra não só importantes informações sobre as raízes de formação do Canada e de alguns dos povos que estão na origem desta nação multicultural e multirreligiosa, com recurso ao mundo metafísico, sem perder o seu humor habitual e o seu estilo de fácil leitura, um universo literário que infelizmente está vedado a quem apenas lê obras traduzidas em português. Mesmo sem este estar entre os romances meus preferidos deste escritor, gostei e recomendo a quem leia literatura em inglês.