Regressei ao meu escritor fetiche dos últimos dois anos, o espanhol Javier Marías, com o romance "Os Enamoramentos".
Maria Doltz habituou-se a observar a felicidade de um casal durante o pequeno-almoço que assiduamente comia no mesmo café em que ela passava antes de se dirigir ao seu emprego, algo que fazia parte da sua rotina e motivador para melhor enfrentar o trabalho, só que o casal deixou de aparecer e pouco depois descobre o assassinato do marido. No reaparecimento posterior da esposa no café, ela entabula uma conversa de condolências, o que lhe vai levar a uma visita a esta, a compreender o luto da mulher e a conhecer o melhor amigo do esposo. Situação que lhe abre portas para a descoberta de um segredo horripilante sobre a morte dele, à reflexão sobre o esquecimento dos defuntos de cada um e à evolução dos enamoramentos que o tempo traz aos vivos.
Como habitual nos livros de Javier Marías, não há pressa no evoluir dos acontecimentos, antes o texto deambula por reflexões em todos os momentos da narrativa, uma sucessão de pensamentos e casos encadeados por uma série de pormenorizações, de adjetivos e de sinónimos que emolduraram cada ideia e constroem parágrafos muito extensos. Um caudal de conceitos e meditações que fluem de modo indolente até se completarem e, de repente, interrompidos por situações de surpresa e choque que mudam o rumo da história e retiram o leitor da anestesia e modorra em que caíra.
Não conheço nenhum escritor que consiga ir tão profundo na análises que leva a cabo em matéria de consciência, memória e do potencial do comportamento humano para concretizar atos extremos e em Os Enamoramentos Javier Marías volta a fazê-lo com a sua habitual genialidade e mestria. Literatura como obra de arte no seu mais alto grau. Acabo sempre por adorar os livros deste autor e este romance não foi exceção.