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segunda-feira, 14 de novembro de 2022

"Arsène Lupin - A Agulha Oca" de Maurice Leblanc

 

Acabei de ler o romance policial, escrito no início do século XX, "Arsène Lupen - A Agulha Oca" do francês Maurice Leblanc.

Um assalto ao Castelo de Ambrumésy e intercetado pelos seus moradores, onde tudo aponta que tenham morto um dos assaltantes sem hipótese de fuga, só não conseguem encontrar o corpo, também à partida levaram várias peças volumosas, só não dão pela falta de nada, entretanto foi perdida uma mensagem encriptada e deixada uma ameaça. Isidore Beautrelet, um jovem estudante de mente brilhante, penetra na equipa de investigação e deduz que pelas características inverosímeis da situação que se está perante uma operação do grande ladrão e cavalheiro Arsène Lupin, um mestre em disfarce e especialista em contaminar a investigação com delicadeza e simpatia ao participar no desenrolar do processo. Esta é uma personagem de vários livros do género que deram origem a séries de televisão e a filmes. Neste, a inteligência do jovem, ao ser a aproveitada pelas autoridades, é um desafio maior para Arsène Lupin que ora o atrai ora lhe prega armadilhas. O jovem apercebe-se que a genialidade do roubo está integrada num esquema  mais vasto que envolve segredos e tesouros nacionais históricos que vão desde imperadores romanos até aos grandes reis absolutistas de França descoberto pelo ladrão, o que lhe dá um grande poder, entrando-se numa investigação surpreendente onde Isidore e Arsène ora cooperam ora organizam embustes de modo a se descobrir uma realidade surpreendente.

Uma curiosidade das obras do escritor prende-se deste gostar de confrontar o seu personagem gaulês com o inglês Sherlock Holmes, este entra nos seus livros com o anagrama Herlock Sholmès a tentar vencer a inteligência superior de Arsène Lupin.

Um livro de suspense e lazer cheio de momentos emocionantes ao estilo das grandes obras populares do género aventuras, com surpresas, tensões e pistas que cativam até um final grandioso e também inesperado.

Uma obra muito fácil de ler, bem escrita, mas sem preocupação de arte literária, feito para entretenimento, entusiasmar o leitor e desafiá-lo com as pistas lançadas na narrativa. Muito bom neste género.

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

"O Guarani" de José de Alencar

Citações

"Não se pode viver somente de ódio e desprezo"

"De que serviria a existência se não fosse para satisfazer um impulso da nossa alma?"

Acabei de ler um dos livros clássicos da literatura brasileira: "O Guarani" de José de Alencar, um romance histórico, escrito em meados do século XIX, cuja a trama se passa no início do século XVII quando Portugal perdera a independência e ficou sob a soberania espanhola, um período em que a fidalguia no Brasil oscilava entre a fidelidade ao antigo reino lusitano ou ao domínio filipino.

António de Mariz, insatisfeito com o domínio filipino, decide isolar-se para o interior da floresta da Serra dos Órgãos com a família e um conjunto de serviçais que defendem e se envolvem na gestão da sua fazenda. Esta situa-se numa zona selvagem com indígenas não convertidos, mas é o seu domínio fiel a Portugal. Num incidente, o índio Peri salva a sua filha Cecília e o fazendeiro agradecido acolhe-o, depois o salvador, por paixão, dedica-se de todo à moça para descontentamento da mãe desta e de sua meia-irmã. Paralelamente, noutro acidente, o ilho Diogo mata uma índia, o que leva a uma ação de ataque revanchista da sua tribo, enquanto um dos guardas de Mariz, ex-monge renegado por ambição de riqueza, também se apaixona por Cecília e decide criar uma revolta para raptar a donzela e levá-la para uma mina de prata que só ele sabe o segredo da localização. No nestes perigos e paixões é Peri, o herói gentio, quem, com o conhecimento de sobrevivência na floresta e dedicação total à jovem, tentará, in-extremis, salvar a família e a jovem lutando o preconceito de uns e o ódio de outros em momentos de grande suspense e surpresa.

Trata-se de uma narrativa tipicamente do século XIX com cariz nacionalista, mas que prenuncia a literatura romântica. As personagens tendem a ser boas de todo ou completamente más, podendo evoluir de um campo ao outro. José de Alencar descreve com grande pormenor, abuso de figuras de estilo e em tom poético a floresta atlântica, os costumes indígenas, a subserviência religiosa e os preconceitos da época e da evangelização. A obra, que li em e-book, tem um conjunto de notas que explicam numerosos aspetos históricos, florísticos, faunísticos e dos costumes dos povos descritos na trama, o que enriquece em muito o conteúdo do texto sem o tornar fastidioso.

A história dá para compreender o contexto de comportamentos, hoje tido por errados, dos colonos de então, vivendo numa sociedade dominada por uma religiosidade exacerbada a enfrentar culturas animistas e representantes de um reino à conquista e em missão de evangelização destes povos pagãos que viviam livres nos seus domínios há séculos, um choque cultural semeado de preconceitos que José de Alencar procura subtilmente denunciar enquanto eleva a dignidade do índio. Todavia o romance também é escrito numa época em que não a de hoje, a sociedade não era ainda tão laica, nem liberta de muitos desses preconceitos, além de regida por uma castidade aguerrida e dominada pelo masculino, sendo evidente o esforço de equilibrar e justificar a crítica perante a moral e ética aceite no século XIX, daí a riqueza cultural desta obra que a transforma num clássico e permite a reflexão sobre o passado. Fácil de ler, gostei e por isso a recomendo a qualquer leitor.