O que é que nos faz querer saber o pior? É por nos cansarmos de preferir saber o melhor?... Ou, mais simplesmente, aquele desejo de saber o pior é a perversão favorita do amor?
Regressei novamente ao escritor britânico Julian Barnes de quem tudo o que li até hoje gostei e "O papagaio de Flaubert" não foi exceção.
O médico inglês, reformado e viúvo, Braithwaite, visita Ruão, na Normandia, como admirador do escritor Gustave Flaubert, onde se depara com dois papagaios embalsamados em dois museus e ambos a assumir a autenticidade de corresponderem à ave que esteve no centro de um dos contos famosos do autor. O dilema leva a uma dissertação sobre a vida do grande romancista francês do século XIX, iniciador do realismo literário, os seus defeitos, virtudes, a sua genialidade, os seus gostos, o seu bestiário, o seu comportamento público e incoerências privadas, as suas relações amorosas e culturais, o seu posicionamento perante os maiores autores da sua época, as suas viagens e pesquisas, os seus ditos e aspetos dos seus livros mais importantes, como "Madame Bovary". Tudo isto para no fim procurar descobrir a verdade sobre qual era mesmo o papagaio de Flaubert.
À semelhança de "O ruído do Tempo" cuja personagem principal é o histórico músico Shostakovitch do século XX; o romance que agora li, também não é bem uma biografia no verdadeiro sentido do termo sobre a figura histórica de Flaubert, seguramente não é uma coletânea de verdades sobre o mesmo, mas é um encadeado de factos sobre o escritor, com algumas especulações e reflexões sobre o mesmo, bem como uma análise sobre a literatura, a verdade no interior da ficção, a presença do autor e dos seus conhecidos dentro desta e uma discussão sobre a cultura e o papel da arte num contexto de época. Tudo isto muito bem escrito, com algum humor, irreverência e sentido crítico.
Talvez não seja uma narrativa fácil para quem gosta de seguir uma história linear simples, mas é sem dúvida um excelente texto, provavelmente uma obra de culto que se pode tornar num clássico do final do século XX. Gostei imenso.