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sábado, 23 de fevereiro de 2019

"Uma História Antiga - Nova Versão" de Jonathan Littell

Não acabei de ler, nem recomendo esta história que dizem ser um romance e escrita por Jonathan Littell. Americano que escreve em francês e vive em Espanha.
Conheci este escritor de uma das obras mais marcantes que li nos últimos 20 anos "As Benevolentes", cuja leitura foi anterior a este blogue com textos sobre livros e por isso não consta de Geocrusoe. Apesar de "As Benevolentes ser uma obra negra com algumas cenas chocantes do holocausto judeu, de batalhas na II Grande Guerra e ainda, poucas, descrições rápidas de sexo homossexual, é um romance excecional sobre a sobrevivência de uma personagem alemã perversa em plena guerra que gostei muito pela escrita e pela estória, apesar de muito longo, mais de 1000 páginas em letra miúda.
Infelizmente, ao ver após vários anos um novo romance de Littell e apesar de no verso da capa falar de a obra vir na linha de Sade, decidi comprar de imediato, mas confesso que não estava à espera de encontrar um romance pornográfico disfarçado de obra de arte, pois para mim é isso o livro.
Uma personagem, como que a sonhar, sai no início de cada capítulo de uma piscina e entra num corredor escuro que dá para uma série de 4 ou 5 quartos, sendo que em cada nesta série ele ora é um homem marido e pai, um cliente de prostituta, um homossexual debochado, um prostituto, ora no seguinte é mulher esposa e mãe, prostituta, talvez lésbica e assim ao longo de sete capítulos vão-se repetindo com variantes os mesmos enquadramentos e sequências dos capítulos anteriores terminando cada um com um quarto que dá para um ambiente de guerra violenta. Apenas concluí a leitura até ao segundo, mas folheando conclui que o esquema seria sempre o mesmo até ao fim... desisti!
Confesso, gostei do estilo de escrita... a descrição do evoluir do percurso do protagonista "mutante" de personalidade e género, onde tudo parece um sonho é interessante, mas a história mais não é que uma simples série de cenas de sexo explícito com variantes entre os diferentes capítulos, o que dá para descrever todos os estilos e preferências de atos sexuais e não é pela boa prosa e referências a Mozart que para mim isto se torna numa obra de arte, fui enganado por não ter sido cauteloso e comprei uma obra pornográfica pretensiosa disfarçada de literatura.
Cada um é livre de ler o que quer, não sou censor... inclusive deste livro, mas se ler este post já não sai enganado do que vai encontrar nas várias centenas de páginas que o compõe como eu fui. 

sábado, 16 de fevereiro de 2019

"Conflito Interno" de Kamila Shamsie


Excerto
" "Mais medidas draconianas!", proclamara um dos adversários de esquerda; "um novo ataque aos verdadeiros ingleses e inglesas, desferido pela população migrante da Grã Bretanha", declarara outro, pertencente à extrema-direita. Era provável que ambas as fações bebessem café de canecas térmicas."

Kamila Shamsie, natural do Paquistão, já escreveu um romance que para mim foi o melhor que li no ano 2015: "Sombras Queimadas", voltou depois a escrever este grande livro "Conflito Interno", "Home Fire" no original, que foi nomeado para o Man Booker Prize de 2017, que evidencia a capacidade desta escritora em falar das feridas, sombras de dor psicológica e física naqueles que circulam em torno dos apanhados nos grandes conflitos civilizacionais e bélicos da humanidade ao longo do último século.
Isma, filha de uma família britânica de origem paquistanesa em Londres, cujo pai foi guerrilheiro pela causa islâmica no final do século XX e morto como terrorista pelos americanos, consegue partir para os Estados Unidos para estudar, lá onde encontra Eamonn, o filho do ministro inglês da Administração Interna com igual origem e tornam-se amigos. Ele volta à Inglaterra com interesse em conhecer a irmã dela mais nova: Aneeka, sem saber que um gémeo dela se tornara num guerrilheiro talibã no oriente. Os dois jovens apaixonam-se, mas ela irá aproveitar a relação familiar dele para libertar o irmão do extremismo para o qual ele fugira em busca de um princípio muito diferente do que lá encontrara. Tudo isto há de explodir nas mãos do Ministro Karamat quando Parvaiz arrependido quer regressar a casa e a sociedade e explora tudo: o racismo, a incompreensão, os choques culturais e a ambição de quem quer ainda vir a liderar o partido e ser o exemplo para todos  imigrantes islâmicos, rompendo à força todos os fios desta teia. 
O livro tem cinco capítulos, cada um deles em torno de uma destas cinco personagens diferentes, mas embrulhadas no mesmo problema que fere profundamente a sociedade atual, não só inglesa, cristã e muçulmana e desembocará numa tensão extrema, onde todos os aproveitamentos do sistema civilizacional contemporâneo são evidenciados e desembocam num final extremo ao nível de um clássico das grandes tragédias de teatro ou da ópera.
Gostei muito, mas mais ainda da anterior obra, por ser mais global e ter uma personagem que é um farol estoico no seio de tantas tempestades que a fustigaram, enquanto agora tudo parece vir a afundar-se até ao climax final, mas é um livro que, além de fácil leitura, deveria ser lido por todos para ajudar a compreender alguns dos desafios de enfrentar os problemas mais complexos da atualidade e vistos de vários prismas, numa narrativa estilisticamente bem escrita.

sábado, 9 de fevereiro de 2019

"Mistérios" de Knut Hamsun


"Mistérios" do noruguês Knut Hamsun, vencedor do prémio Nobel da literatura, apesar de publicado no final do século XIX parece uma obra muito mais recente pelo estilo de escrita, estrutura das personagens e trama. É um romance de uma modernidade que pode mesmo ter feito evoluir a história da literatura desde então, apesar de fácil leitura é incómodo, pois lança questões sobre como vivemos em sociedade, como somos, só que não nos descansa com respostas.
Nagel decide de repente desembarcar numa pequena cidade costeira de fiorde que o impressionou durante a estação de verão caracterizado por períodos de dias longuíssimos ou as populares noites brancas. Instala-se então num hotel e aos poucos vai conhecendo as pessoas daquela comunidade, sobretudo com o auxílio de um pobre inválido de um acidente profissional que é usado e abusado pela população em geral e chamado de Anão.
Aos poucos vão-se revelando as fragilidades e os defeitos pessoais mesquinhos de vários habitantes, bem como comportamentos estranhos, enquanto Nagel, propositadamente, vai dando uma imagem dúbia e contraditória de si mesmo e contando pormenores fantásticos e góticos da sua vida perturbando toda a população e semeando a desconfiança em cada um por sentirem ameaçados os seus segredos. Depois desta semente de discórdia ele próprio decide sair de cena, deixando-nos igualmente sem compreender esta forte personagem enigmática e cheia de mistério e sem dúvida tornando-se num fantasma na memória da cidade.
Bem escrito, Hamsun num discurso de contraditórios vai fazendo uma denúncia de vícios estratégicos de alguns líderes políticos europeus de então e vai colocando a nu a fragilidade humana no relacionamento social, onde reina uma hipocrisia pública perante defeitos privados que de todos são conhecidos, mas que as obrigações de bom relacionamento impõem e condicionam a sociedade, que podem tacitamente servirem de arma de arremesso sem ser efetivamente usados.
Deverá ter sido a originalidade de Hamun em desenvolver narrativas como estas que deve ter servido de justificação ao Nobel, pois olhando para a literatura da época é uma obra muito à frente do seu tempo.