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sábado, 16 de fevereiro de 2019

"Conflito Interno" de Kamila Shamsie


Excerto
" "Mais medidas draconianas!", proclamara um dos adversários de esquerda; "um novo ataque aos verdadeiros ingleses e inglesas, desferido pela população migrante da Grã Bretanha", declarara outro, pertencente à extrema-direita. Era provável que ambas as fações bebessem café de canecas térmicas."

Kamila Shamsie, natural do Paquistão, já escreveu um romance que para mim foi o melhor que li no ano 2015: "Sombras Queimadas", voltou depois a escrever este grande livro "Conflito Interno", "Home Fire" no original, que foi nomeado para o Man Booker Prize de 2017, que evidencia a capacidade desta escritora em falar das feridas, sombras de dor psicológica e física naqueles que circulam em torno dos apanhados nos grandes conflitos civilizacionais e bélicos da humanidade ao longo do último século.
Isma, filha de uma família britânica de origem paquistanesa em Londres, cujo pai foi guerrilheiro pela causa islâmica no final do século XX e morto como terrorista pelos americanos, consegue partir para os Estados Unidos para estudar, lá onde encontra Eamonn, o filho do ministro inglês da Administração Interna com igual origem e tornam-se amigos. Ele volta à Inglaterra com interesse em conhecer a irmã dela mais nova: Aneeka, sem saber que um gémeo dela se tornara num guerrilheiro talibã no oriente. Os dois jovens apaixonam-se, mas ela irá aproveitar a relação familiar dele para libertar o irmão do extremismo para o qual ele fugira em busca de um princípio muito diferente do que lá encontrara. Tudo isto há de explodir nas mãos do Ministro Karamat quando Parvaiz arrependido quer regressar a casa e a sociedade e explora tudo: o racismo, a incompreensão, os choques culturais e a ambição de quem quer ainda vir a liderar o partido e ser o exemplo para todos  imigrantes islâmicos, rompendo à força todos os fios desta teia. 
O livro tem cinco capítulos, cada um deles em torno de uma destas cinco personagens diferentes, mas embrulhadas no mesmo problema que fere profundamente a sociedade atual, não só inglesa, cristã e muçulmana e desembocará numa tensão extrema, onde todos os aproveitamentos do sistema civilizacional contemporâneo são evidenciados e desembocam num final extremo ao nível de um clássico das grandes tragédias de teatro ou da ópera.
Gostei muito, mas mais ainda da anterior obra, por ser mais global e ter uma personagem que é um farol estoico no seio de tantas tempestades que a fustigaram, enquanto agora tudo parece vir a afundar-se até ao climax final, mas é um livro que, além de fácil leitura, deveria ser lido por todos para ajudar a compreender alguns dos desafios de enfrentar os problemas mais complexos da atualidade e vistos de vários prismas, numa narrativa estilisticamente bem escrita.

7 comentários:

ematejoca disse...

Uma ilustre desconhecida.
Vou procurá-la na biblioteca.

Carlos Faria disse...

Já não é assim tão desconhecida, já venceu prémios e este é o seu 7.º livro, que esteve na lista final do booker prize... apesar de dupla nacionalidade as raízes são paquistanesas.

Pedrita disse...

fiquei interessada, conheço pouco sobre paquistaneses. não li nenhum sobre ela. terminei de ler um livro de uma indiana e ainda estou em estado de choque. comentei no meu blog. beijos, pedrita

Pedrita disse...

ah, vc leu o livro que li, em portugal está como bombaim. no brasil como uma distância entre nós.

Carlos Faria disse...

Shamsie, como Umrigar escrevem sobre realidades muito duras, gosto muito da escrita de Shamsie, embora prefira Sombras Queimadas ambos podem-na deixar destroçada... apesar da elegância com que escreve este livro anterior.

Kelly Oliveira Barbosa disse...

Oi Carlos fiquei super interessada nessa autora, vou procurar.

Esse ano eu estou meio lenta para leituras, mas ler resenhas como as suas, sempre me enchem de vontade de ler.

Abs.

Carlos Faria disse...

Uma autora que não aparece muito apoiada pelas grandes editoras, mas que escreve bem e aborda temas atuais de forma muito ponderada, sem omitir as dores que as injustiças, preconceitos e disfunções da sociedade provocam em gente comum.