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terça-feira, 9 de dezembro de 2025

"A Matéria das Estrelas" de Isabel Rio Novo


Tenho lido que Isabel Rio Novo é uma das novas vozes literárias portuguesas mais promissoras e isso deixou-me curioso, entre os títulos disponíveis, verifiquei uma frequente abordagem a narrativas com personagens doentes e como a sua obra mais recente envolvia os Açores, optei por "A Matéria das Estrelas".
Em janeiro de 1971, Jacinto Silva Fernandes, com 20 e poucos anos e oficial num navio da marinha portuguesa ancorado em Ponta Delgada, falta à chamada. Descobrem-no em coma num apartamento arrendado na cidade, sobrevive, mas fica inválido e demente. Eduardo, médico amigo da família, vai então reconstituir a vida deste jovem promissor a partir de cartas e da documentação pessoal fornecida pela mãe, que o acompanha e nunca desiste de saber a causa para o reabilitar. A Jacinto, de ascendência açoriana, coube-lhe o papel na escola do navegador Bartolomeu Dias, e ele parece uma réplica moderna do marinheiro: uma grande promessa, a quem foi entregue o papel de preparar rotas para outros brilharem e desaparecido antes de grandes oportunidades. Efetivamente, um segredo da família parece ensombrá-lo, preconceitos do regime conservador e hipócrita da ditadura que permitem deduzir, no fim do livro, o que destruiu a carreira promissora de Jacinto.
Numa escrita sensível, elegante e sem devaneio de criatividade modernista, a narrativa, num relato melancólico, entrecruza, no tempo e nos espaços, as deduções de Eduardo do que fora a vida da família Silva, das tensões internas, o que estava a ser a carreira de Jacinto dada a correspondência enviada por este à mãe em que dá a conhecer os Açores e as colónias visitadas, bem como, excertos do que teria sido a vida do navegador sombra: as semelhanças, as angústias e as promessas de futuro. 
O romance não só faz uma fotografia da vida de uma família conservadora com ligação ao mundo militar, como descreve várias ilhas dos Açores e disserta sobre a época dos descobrimentos, contudo, uma sensação de frustração e tristeza atravessa toda a narrativa, além de algumas liberdades ficcionais do Arquipélago no início dos anos 1970 que para quem se recorda desse tempo, como eu, incomoda a leitura. Muito fácil de ler.

2 comentários:

Pedrita disse...

gostei muito do nome e da capa. não conhecia e seu relato me deixou curiosa. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Ela escreve bem, tem vários prémios, mas a toada triste deixou-me também melancólico... só um dos títulos me parecia não haver acompanhamento de doentes, mas este fala das minhas ilhas, com algumas imprecisões de época, mas para a realidade de hoje não destoa.