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segunda-feira, 1 de agosto de 2022

"Para onde vão os guarda-chuvas" de Afonso Cruz

 

Excerto

"Andamos todos em órbita a nós mesmos à procura de uma porta que nos leve para dentro da nossa alma. Procuramos entrar dentro de nós, mas é um mundo que nos está vedado."

Acabei de ler o romance "Para onde vão os guarda-chuvas" do português contemporâneo Afonso Cruz. No início sabemos que o Sr. Elahi, empresário muçulmano num país do oriente, adotou uma criança cristã e tenta convencer a sua irmã a casar-se com um hindu, no que esta grita: vergonha!, por todos estes desvios à tradição secular da família. Então percebemos que a situação resultou de graves problemas trágicos do passado que afetaram a vida do fabricante de tapetes. Assim, através de episódios, curtos, que cobrem a infância dos atuais membros da família, vamos conhecer todas as desventuras e fenómenos fantásticos por que passaram, vivências a coberto das crenças e dos mitos religiosos que condicionam as suas vidas que se cruzam com saberes do islamismo, hinduísmo e cristianismo radicado na filosofia mítica oriental. Afinal, tal como as pessoas que perdemos, os guarda-chuvas perdidos nunca mais aparecem, logicamente devem ter um destino semelhante...

Afonso Cruz tem uma narrativa muito própria e cheia de metáforas que mistura a sabedoria mítica e transcendente oriental com a racionalidade fria e laica do ocidente contemporâneo, uma teia de conceitos que nos surpreende e ao juntar a perspetivas infantil com a contemplativa dos crentes e maldosa dos oportunistas, numa delícia de situações e deduções que vão do fantástico ao racional, uma crítica de comportamentos sociais transversais a todos os povos e personalidades sem agressão dos alvos preconceituosos, nem glorificação das vítimas inocentes e ingénuas movidas pelos seus sonhos de serem felizes.

Cheio de citações de sabedoria (não sei se inventadas de facto pelo autor ou baseadas em textos orientais, mas esta mistura dúbia entre o real e o ficcionado é uma característica comum de Afonso Cruz, um dos escritores mais originais da literatura portuguesa atual de que já li várias obras). Gostei e recomendo.

4 comentários:

Pedrita disse...

não li nada dele. quero ler. linda a capa da edição que leu. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Este é um volume grande mas lê-se rápido, há outros bem menores como a Boneca de Kokoshka que também são bons e dá para perceber o estilo de escrita e a mistura entre realidade e ficção.

Kelly Oliveira Barbosa disse...

Eu já tinha ouvido falar desse livro e autor antes. Sempre achei esse título "Para onde vão os guarda-chuvas" lindo! Não sei porque mais particularmente gosto desse título.

Carlos Faria disse...

Curiosamente foi o título que me levou mais tempo a decidir ler o livro, também porque tinha muitas páginas, mas na realidade o texto não é muito longo pois tem páginas em branco, capítulos curtíssimos e figuras... é uma obra que se lê bem e dá para conhecer o autor, aliás considerada por alguns a sua melhor, embora eu prefira outras