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segunda-feira, 26 de agosto de 2019

"Regressa, Coelho" de John Updike

Excerto
"é tudo vida, sexo, fogo, respiração, uma combinação com oxigénio a todo o momento deslizamos à beira da conflagração"

"Regressa, Coelho", o segundo romance da tetralogia Coelho do norteamericano John Updike, decorre em 1969 cerca de uma década após as desilusões do início da vida adulta do primeiro volume que apresentei aqui.
Agora Coelho já tem vários anos de vida familiar rotineira, a mãe envelheceu e tem a doença de Parkinson, ele trabalha como tipógrafo, o filho Nelson é adolescente, a mulher Janice tem emprego na empresa do pai dela, enquanto na sociedade há a revolução sexual, hippie e a contestação à guerra do Vietname. A monotonia do lar é afetada por uma crise quando a mulher se satura do marido, arranja um colega como amante e toda a situação se desmorona. Coelho a seguir conhece num bar de negros uma jovem de um meio rico, fugida de casa que sobrevive vendendo-se. Ele decide acolhê-la e traz para casa um conjunto de novos problemas que agravar-se-ão com o aproveitamento de um amigo dela preto, traficante de drogas, despudorado e revoltado contra a comunidade branca. 
A obra faz um retrato das fragilidades das famílias perante as novas ideias sociais de comportamento sexual, emancipação das mulheres e conflito de gerações; agravadas pelo racismo, o capitalismo desumano, a política interesseira, o sonho comunista e as feridas da guerra do Vietname. Como no primeiro romance, as tensões irão num crescendo até uma catástrofe a cerca de um terço do fim da obra, dando-se então o retorno a um novo equilíbrio de sentimentos e razão após a crise.
Neste volume a religião passa para um plano supérfluo e a vida sexual das personagens torna-se o foco das relações humanas: medos, sonhos, experimentação, desinibição do pudor e desilusão. Deste modo e numa linguagem realista sem tabus há a descrição de relatos de práticas e pensamentos sexuais, sem filtro linguístico, o que leva ao uso de calão e ditos eróticos e grosseiros que podem ferir algumas suscetibilidades, contudo não têm fins de escrita erótica, mas evidenciam o peso da intimidade e dos desejos na estabilidade emocional das pessoas num estilo nu e cru.
Tirando o reparo de pudor a eventuais interessados no livro, gostei do romance que novamente não faz juízos de valor, é de fácil leitura e um retrato intenso de uma época nos Estados Unidos.

2 comentários:

Pedrita disse...

ah, vc leu a continuação. quero muito ler. vi uma peça com texto de um poeta italiano q não conhecia. comentei no meu blog. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Estou a pensar ler toda a tetralogia num curto-prazo de tempo, apenas faço intervalos entre os volumes para não ficar muito ligado às personagens o que acontece quando acompanho por muitas semanas as mesmas personalidades.