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segunda-feira, 12 de agosto de 2019

"Corre, Coelho" de John Updike


Excerto
"A princípio, acontece muitas vezes que o caminho certo parece errado."

Estreei-me em John Updike, um dos escritores norteamericanos mais premiado, com o primeiro volume da sua tetralogia mais famosa em torno da personagem Coelho, Rabbit no original, romance com o título "Corre, Coelho". Havia tempo que tentava conhecer este autor, mas pretendia começar por este conjunto, só que nunca encontrava os 4 volumes juntos, esta semana numa promoção, quando a editora já nem existe, eis que finalmente os encontro de forma a completar o ciclo.
Harry Angstrom, conhecido por Coelho, tem 26 anos em 1959, foi uma estrela de basquetebol no liceu numa cidade de média dimensão na Pensilvânia. Ao acabar os estudos casou-se apressadamente por uma gravidez não desejada e entrou numa vida rotineira e vazia, tem um emprego frustrante de vendedor de máquinas de cozinha e a mulher desmazelada e alcoólica espera novo filho. Cansado disto, decide abruptamente abandonar o lar, recolhe-se em casa do seu antigo treinador que o apresenta a uma prostituta por quem ele se sente atraído e encontra uma companheira com virtudes por que ele ansiava. Só que um pastor Pentecostal com preocupações sociais tenta a reconciliação dele com a sua paroquiana, apesar de Harry ter formação Luterana, e eis que a esposa tem uma filha e surge uma oportunidade, pouco depois seguida de um acidente. Destas situações brotarão as temáticas desenvolvidas no romance: o amadurecimento humano, a desilusão no arranque da vida adulta, as questões de família face ao vazio matrimonial onde a relação sexual conta mas quando ainda subsistem tabus face à excitação da descoberta de uma companhia alternativa sem preconceitos, situações que levam as questões de moral e de religião com as diferenças de pensamento em credos distintos que se misturam com os problemas do dia-a-dia de cidadãos comuns numa sociedade capitalista, oca pronta para acusações.
John Updike tem uma boa escrita mas tipicamente norteamericana: escorreita, elegante e cheia de figuras de estilo, só que dá a impressão de estarmos perante um texto informal, quer pela menção de pormenores banais e corriqueiros, quer pela referência a marcas comerciais conhecidas, diálogos básicos e ainda um retrato da sociedade não floreado. Algumas vezes a narrativa entra em cenas mais íntimas, contudo sem descer à vulgaridade na descrição e sem ser chocante, mas subentende-se a prática do ato. Este é um aspeto que por vezes é difícil de integrar em literatura sem ser uma expressão de arrojo ou afronta, mas o escritor fá-lo de forma equilibrada e tem importância para as decisões das personagens, mas o romance não faz um julgamento individual dos vários comportamentos, o que também evidencia ponderação na obra.
Gostei da estória, da escrita, das abordagens e pretendo continuar. Só não o faço de imediato pois quando leio estórias por muito tempo em contínuo ocorre uma imersão minha nas personagens o que por vezes me perturba, mas espero voltar muito em breve a esta tetralogia. Fácil leitura.

8 comentários:

Pedrita disse...

eu sempre tive esse autor em listas a ler. acho que só li um livro dele mas não localizei. esse não foi. sim, eu lembro q eram em sequência. tb não leio seguidamente livros de grupos. em busca do tempo perdido eu li espaçando um do outro. o q prefiro, parece q vc tb. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Não era meu hábito ler sem ser de seguida, mas com Proust, Musil e Durrel quando acabava ficava sempre com um grande vazio, pois as personagens já conviviam comigo fora da leitura, em pensamento, em desejo de ver o volume seguinte, ao recordar o que lera muitos dias antes, de modo que agora decidi outra técnica, com espaçamento não muito grande.

Pedrita disse...

sim, em busca do tempo perdido dava mesmo vontade de saber o q acontecia, mas mesmo assim eu alternava. falei de livro no meu blog.

Pedrita disse...

rumo ao farol é o meu preferido da virginia woolf

Rui Luís Lima disse...

John Updike é um dos meus favoritos, tanto como escritor como crítico literário ou cronista. Só me falta ler o último livro do célebre Rabbit que ainda não consegui encontrar, mas irei em breve ler requisitando na biblioteca. O primeiro livro da série teve adaptação cinematográfica com o James Caan a dar vida a Rabbit.
Uma das particularidades dos livros de John Updike é que são muito diversificados e gosto imenso das suas short-stories, mas o último que li. que aborda o universo da pintura e cuja acção decorre ao longo de um dia é surpreendente e uma obra literária única, repleta de referências bem interessantes, aqui deixo o título:"Procurai a Minha Face".
Bom dia!

Carlos Faria disse...

Pois eu só comprei porque estavam a tetralogia completa, em breve espero ler o segundo, mas foi estreia absoluta no escritor e gostei.

Joaquim Ramos disse...

Li-os de enfiada para não me escapar nada e não estou arrependido. O que gostei mais foi do terceiro, seguido do quarto. A linguagem ou a tradução torna-se mais explícita, o que a meu ver só melhora a qualidade do livro, pois encontramo-nos escancarados com os pensamentos por vezes obscenos de Coelho... e ninguém pensa a respeito de mulheres em vernáculo puro de Oxford!

PS: comprei A Ponte Sobre o Drina, estou a gostar bastante. A descrição pormenorizada do empalamento deixou-me de rastos...

Carlos Faria disse...

Como pode ver já entrei no segundo da tetralogia, precisamente para ter em memória o primeiro volume. O terceiro e quarto foram ambos obras premiadas nos EUA.
Ainda bem que etá a gostar dessa obra de Andric, sim tem várias cenas fortes, mas na história não faltam maus comportamentos e atos politicamente incorretos.