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segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

"Grand Hotel Europa" de Ilja Leonard Pfeijffer


 Excertos

"O que a Europa tem a oferecer ao mundo é o seu passado. À medida que o velho continente perde influência, a todos os níveis, no palco mundial talvez tenhamos pouca escolha além de vender o nosso passado."

"era um lugar fantástico. Raramente tínhamos visto tanta pobreza autêntica num país muçulmano."

"o turismo destrói precisamente aquilo que o atrai."

Há poucos romances cuja leitura me marcou o suficiente para mudar significativamente o meu pensar ou o modo como vejo o mundo à minha volta: "Grand Hotel Europa", do neerlandês Ilja Leonard Pfeijffer, fica neste restrito conjunto de obras e moldou o que penso ser a Europa de hoje, a perceber melhor o seu declínio e o papel que cabe ao turismo no disfarçar do declínio do Velho Continente.

Grand Hotel Europa tem como protagonista o próprio Ilja Leonard Pfeijffer, o seu alter-ego relata o fim da sua relação com uma italiana genovesa de famílias tradicionais e especializada em arte antiga, nomeadamente Caravaggio de quem procura o que seria o seu último quadro desaparecido e que permite um périplo por vários locais no livro. Ilja Pfeijffer narra ainda os contactos com outras pessoas do hotel para onde se mudou para escrever as memórias sua anterior paixão e onde encontra personagens tão diversas como uma poeta feminista, um polaco filósofo e conhecedor do passado e presente do velho continente, um grego petulante, um mordomo cheio de recordações do passado glorioso do estabelecimento que acolhia a aristocracia europeia e o porteiro refugiado do norte de África cheio de aventuras e que absorveu a Odisseia de Homero. Em paralelo, o escritor narra a sua intervenção num grupo de cultura subsídio dependente da União Europeia num trabalho sobre o turismo e que pretende ser uma obra de arte sobre o turista típico. Ilja conta ainda no que se transformou Veneza que se afunda devido ao turismo, local de um emprego da sua anterior companheira e ainda relata sobre outras cidades que colocam a nu o que é a Europa de hoje e os efeitos do turismo e os diferentes tipos de turistas.

O romance não é assim apenas uma obra de ficção, é também um ensaio socioeconómico sobre a atual Europa, a sua história e a força do seu passado pujante. Não conheço livro que melhor descreva o que é este Continente hoje (a obra anterior à guerra da Ucrânia) e, em simultâneo, é um manifesto sobre o que o turismo em massa está a fazer à Europa e o reconhecimento da inexistência de alternativas para este extenso museu visitável por todas as economias que se estão a sobrepor a ele. O livro contém histórias que são metáforas do triste destino desta que foi uma recente potência de âmbito planetário.

Uma escrita cáustica, sarcástica, por vezes irónica, noutras hilariante e também com passagens chocantes e deprimentes e com momentos íntimos da sua relação recém-terminada para apimentar a narrativa. Não considero uma obra-prima literária, é típico romance pós-moderno que mistura a factos com ficção para fazer um retrato da atualidade, que não é bonita e lê-se com facilidade, prazer, por vezes com algum suspense e, sobretudo, levanta pistas para a reflexão com passagens muito fortes.

Recomendo a qualquer leitor, em especial a todos colecionadores de múltiplas viagens de férias. Gostei muitíssimo.