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domingo, 24 de julho de 2022

"O mistério de Edwin Drood" de Charles Dickens

 

Regressei ao inglês Charles Dickens com a leitura do seu último romance publicado, mas que, devido a morte súbita do escritor, o deixou inacabado: "O Mistério de Edwin Drood".

Edwin é um jovem órfão cujo pai deixou o seu futuro casamento acordado com a filha do seu melhor amigo, curiosamente também falecido, ficando assim ambos os noivos sem pais e com o seu futuro decidido e gerido pelos seus tutores. Tudo corria normalmente até que um casal de irmãos, de novo órfãos, vêm viver para a mesma cidade, os rapazes se tornam adversários e parece desenvolverem uma atração pelas raparigas do outro par ao arrepio do acordado. Entretanto, na noite de Natal, após um encontro realizado na tentativa de se efetuar uma reconciliação entre os jovens, Edwin desaparece e o outro logo fica alvo de todas as suspeitas. Terá sido? O clérigo que protege o acusado está convicto da inocência deste, entretanto, descobre-se que o tio de Edwin nutria uma paixão pela sua futura sobrinha de quem era professor de canto e no seu sofrimento viciara-se em ópio. Tutores, raparigas e tio tentam descobrir a verdade até à chegada de um potencial detetive... as pistas apontam várias hipóteses e a obra ficou inacabada...

Sem dúvida está-se perante a primeira parte do que seria um grande romance do género policial num período em que este tipo de literatura estaria a iniciar-se, mas os mais importante é o próprio rol de hipóteses que ficam em aberto perante um cenário de provável crime onde não há justiça, o que cria um mito e uma abertura à especulação que é colocada no livro num posfácio do grande escritor G K Chesterton, que se foi um dos pioneiros da literatura de crime e mistério e muito conhecido pelas investigações do padre Brown.

O conjunto do romance incompleto com a especulação de Chesterton torna este livro muito interessante, fácil de ler e agradável. Fica a dúvida de como Dickens solucionaria realmente o mistério e também o espanto por algumas frases da obra mostrarem que este grande mestre da literatura e da denúncia das injustiças sociais, ele próprio, tinha os seus pecados preconceituosos à luz dos princípios humanos de hoje.

sexta-feira, 8 de julho de 2022

"A Rainha do Sul" de Arturo Pérez-Reverte

 

Excertos

"O medo não deve ser avidado de chofre,... A arte reside em infiltrá-lo pouco a pouco: que dure, e tire o sono, e amadureça, por desse forma se converte em respeito."

"Há silêncios que não podemos alegar não ter ouvido com absoluta clareza. Sim. A a partir de determinado momento da vida, cada um é responsável pelo que faz. E pelo que não faz."

Acabo de ler mais um romance do escritor espanhol Arturo Pérez-Mendoza: "A rainha do sul", no qual um jornalista faz a pesquisa biográfica Teresa Mendoza : uma simples mulher, pobre, sem estudos e companheira de um traficante de narcóticos na província de Sinaloa no México; mas que após o assassinato deste e de ela sobreviver à ordem para a matar, consegue em seguida refugiar-se no sul de Espanha e construir um império de narcotráfico e uma fortuna que a tornam uma referência para a imprensa social e em simultâneo com ligação à classe política e aos maiores cartéis mundiais.

O texto é uma sequência de episódios que correspondem a cenas romanceadas de recolha de informações de testemunhas que conviveram ou conheceram Teresa Mendoza e onde o jornalista é o narrador na primeira pessoa, estes são intercalados com outras onde são expostas, de forma cinematográfica e intensa a vida da protagonista, sendo esta quem descreve a ação e expõe os seus pensamentos e sentimentos.

Como habitual em Pérez-Reverte, as suas personagens são muito realistas com virtudes e defeitos, aqui ninguém é exclusivamente mau ou ingenuamente bom, e as suas narrativas são cinematográficas, por vezes muito intensas, e onde se nota, na descrição e pormenores, uma investigação técnica e social profunda dos meios de vivência e dos objetos que integram as suas cenas. Tudo isto é exposto num texto bem trabalhado com referências as marcas de equipamentos, objetos de luxo, sensações dos seus usos e a descrição profunda da vida nas redes de narcotráficos com as suas regras, dureza e desumanidade no México, bem como a fragilidade das forças de segurança na Europa face a um controlo legal e ético dos mídia muito fortes em democracia aquando dos seus atos de combate ao banditismo, e ainda, o laxismo destes aspetos no Norte de África, tudo isto a coberto de uma rede política, legislativa e financeira internacional que permite a montagem de esquemas de branqueamento de capitais, corrupção e cooperação entre o poderes legítimos e dos fora-da-lei.

Um bom romance que retrata com qualidade literária os mundos mafiosos, com alguns episódios muito intensos, gostei, texto acessível a qualquer leitor e recomendo.