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terça-feira, 21 de junho de 2022

"O Quarteto de Havana II - Morte em Havana" de Leonardo Padura

 

Acabo de ler o terceiro romance deste quarteto de casos policiais, independentes, que se desenrolam na capital de Cuba nas estações sucessivas do mesmo ano de 1989 e resolvidos pelo tenente Mario Conde: o polícia frustrado que sempre desejou ser escritor. "Morte em Havana" começa com a descoberta do corpo de um travesti estrangulado na noite da festividade da transfiguração de Cristo. Este é filho de alguém poderoso na cidade, vestia o traje de uma mulher criado por um grande cenógrafo do país, mas retirado do ativo por perseguição à sua orientação sexual e não acatar as diretrizes para a arte impostas pelo regime.

O detetive, com preconceito contra os homossexuais, vai descobrindo o que fora o sofrimento da vida da vítima: um católico em confronto com a pai, a sua intimidade e a hipocrisia do regime; apercebe-se do grande homem do teatro e cultura exilado profissionalmente que lhe conta a sua vida e a cruz dos chamados de invertidos, o que desemboca em autorreflexões sobre a sua paixão pela escrita numa Havana que persegue cidadãos de grande valor e honra por questões íntimas, mas criadores livres, num sistema que martiriza o povo, até compreender como tudo isto levou a um homicídio hediondo que também foi um autossacrifício de entrega de um crente.

Bem escrito, com reflexões que servem de metáfora para denunciar as revoluções culturais comunistas, mas sem criticar o sistema tão diretamente. Padura escreve um romance policial que é, ao mesmo tempo, uma obra de apelo ao respeito pela diferença e contra o preconceito, a que junta um nível literário e informação cultural e onde entram personagens reais marcantes da filosofia e cultura parisiense dos anos 1960/70, mostra a vida difícil do povo em Cuba e tudo isto no género policial fácil mas sem ser uma narrativa banal de entretenimento.

Como bónus, o romance contém um excelente conto de Mario Conde, neste, Padura mostra a sua genialidade de escrita de histórias curtas e as influências de Sartre e Camus na forma de pensar do detetive. Gostei.

terça-feira, 14 de junho de 2022

"Senhora Oráculo" de Margaret Atwood

 

Frase inicial na obra

"Planeei com todo o cuidado a minha morte; ao contrário da minha vida, que passou sinuosamente de uma coisa para a outra, apesar das minhas débeis tentativas para a controlar."

Margaret Atwood é sem dúvida a escritora Canadiana de quem mais obras li, se antes sempre na língua original, "Senhora Oráculo" foi o primeiro romance dela que li traduzido para português, a sensação não é a mesma, mas a velocidade de leitura compensou.

Joan Foster, ao sentir-se acossada com todos os seus problemas, decidiu simular a sua morte no lago Ontário e refugiar-se em Itália. Ali vê o seu passado: desde uma infância complexada como gorda perante uma mãe que não perdoava os seus desleixes e até ser uma figura pública com o sucesso "Senhora Oráculo" - livro que assumiu ter inspiração espírita -, só que também é uma escritora de literatura barata de cordel, personagem que esconde por vergonha num pseudónimo, sendo ainda esposa de um universitário de esquerda revolucionária e a quem mente dizendo-se ensaísta e a quem trai com um artista de choque, de repente é chantageada por um homem que descobre todos os seus segredos e decide desaparecer mas a sua situação complica-se cada vez mais. 

Ao longo da obra vamos conhecendo os receios e desejos de Joan Foster, as suas mentiras, o conforto dado por sua tia e o medo e revolta com sua mãe, os homens diversos e por vezes estranhos de que se aproxima e se relaciona, a sua experiência espírita e o esforço de criar personagens típicas da literatura de cordel mas em parte inspiradas na sua experiência de vida e excertos desta literatura sem ambições mas rentável.

É uma das primeiras obras de ficção de Atwood: uma autora profícua que intercala romances, ensaios, coletâneas de poesia, contos, e até livros infantis. Este livro já tem indícios dos caminhos que a escritora seguiria: mistura numa obra de várias narrativas, poesia, estilos distintos de escrita, factos reais, paranormais, medos e psicoses e até refere a via que a tornou famosíssima da ficção-científica. A exposição nem sempre linear e alguns pontos não me parecem totalmente resolvidos, mas é interessante ver como a autora expõe algumas dificuldades no desenrolar das personagens e da narrativa. Gostei.

segunda-feira, 6 de junho de 2022

"O Mistério do Ataúde Grego" Ellery Queen

 

Acabo de ler um livro que faz parte das republicações da coleção Vampiro, edições retomadas há poucos anos de uma série de publicações periódicas que existia e fazia parte das obras policiais e de mistério que devorava na minha adolescência. Alimentei então o meu gosto pela leitura até passar para géneros de outro calibre literário. Infelizmente não sei o nome da maioria das obras que naquela época lia, retive melhor o nome dos escritores e dos protagonistas, alguns muito conhecidos no género, contudo não me lembro de Ellery Queen, este é o pseudónimo de dois autores: Daniel Nathan e seu primo Emanuel Lepofsky que criaram o detetive com aquele nome e cujas obras correspondem às narrativas dos seus casos.
"O Mistério do Ataúde Grego" ocorre quando o advogado de Khalkis, após o funeral do negociante de arte, descobre o desaparecimento do testamento que o morto alterara na véspera e guardara no seu cofre. O advogado dizia que ninguém na casa do defunto tivera acesso à caixa-forte entre a  colocação do documento e o enterramento, chamada as autoridades, a situação vai conduzir ao mistério de quem o retirou e onde o escondeu num sítio que ficou fechado, a que se seguem homicídios relacionados com um caso de chantagem e tráfico de uma obra pintura de Leonardo da Vinci antes roubada. Entre procuradores do ministério público, um conjunto de polícias e detetives e várias voltas no desenrolar dos acontecimentos, será o cérebro do jovem Ellery Queen, para espanto dos seus superiores mais velhos, quem desvenderá o desaparecimento do testamento e identificará o homicida.
Uma obra de mistério e crime cuja escrita é trabalhada sem grandes pretensões literárias mas correta e elegante, segue à risca os traços do género policial: vão-se lançando pistas verdadeiras e falsas que confundem as o enredo e desafiam o leitor numa narrativa que não deseja ir além de um romance de entretenimento agradável.  Para quem gosta do estilo, é de facto uma história desafiante.