Páginas

quinta-feira, 7 de março de 2024

"a cidadela BRANCA" de Ohran Pamuk

 

Citações

"Procurar descobrir o que somos, refletir tão longamente sobre nós mesmos não poderia senão fazer-nos infelizes!"

"Todos nós sabemos que, para reencontrar a vida e os sonhos desaparecidos, é preciso sonhá-los novamente."

Voltei ao escritor turco, laureado com o prémio Nobel da literatura Ohran Pamuk, de quem lera apenas um livro há vários anos. "a cidadela Branca" é um romance diferente que de forma indireta a narrativa levanta as questões de "quem sou eu?" e "porque eu sou como sou?".

O autor expõe um manuscrito com um relato do cativeiro de um veneziano estudante que, quando jovem, no século XVII foi capturado pelos turcos e levado para Istambul, onde o Sultão o doou a um conselheiro como escravo, sendo o dono tão semelhante fisicamente a cativo como um gémeo e um cientista  interessado no saber, investigação astronómica, outras civilizações e criador de artefactos a quem chama de Mestre. Este tenta extrair conhecimento do italiano e, aos poucos, começa uma troca de saberes e surgem as questões. Num jogo de espelhos inicia-se uma autoanálise onde cada um escreve como foi, os seus erros e as suas memórias, a dado momento começa a confundir-se quem é o Mestre ou outro. Entretanto, o Sultão vai pedindo conselhos e apreciando as invenções que resultam daquela equipa, até se aperceber da inter-relação dos dois e lhes pedir a construção de uma arma capaz de conquistar os territórios europeus onde luta até à batalha junto à cidadela branca, a que se segue final surpreendente.

Como todas as obras de introspeção, não é uma narrativa acelerada, o que é ainda travado pelos parágrafos extensos, em estilo de reflexão e onde os diálogos são expostos como memórias, apesar da riqueza do texto, senti uma nostalgia ou uma infelicidade permanente enquanto lia. Não é um livro grande, mas a leitura não fluía pela necessidade de atenção e densidade do texto, tal não impede o reconhecimento de que se está perante uma excelente obra e de grande originalidade, mas não um simples livro lúdico e muito fácil.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

"O Apóstolo" de Hall Caine

 

Citação

"Os estadistas conhecem muito bem a crueldade clerical que se esconde por detrás de leis seculares."

Acabei de ler "O Apóstolo", livro publicado em 1897 e escrito pelo inglês do final do século XIX: Hall Caine, um autor profícuo, mas pouco reconhecido pelo seu valor literário, mas com grande sucesso à época. Adquiri esta obra por apresentar temas como a sexualidade, a liberdade e o estatuto da mulher face à religião (neste caso anglicana) e discutir preconceitos e a acomodação desta face aos vícios sociais e às elites para se preservar e manter o seu estatuto no sistema instalado da promiscuidade entre Igreja e Estado.

John Storm e Glory Quayle são dois jovens da ilha de Mann, onde se conheceram e secretamente desenvolveram um grande amor entre si não assumido publicamente. Ambos partem para Londres, ele com grandes sonhos de se tornar um clérigo e purgar a sociedade dos seus vícios, sobretudo, o tratamento discriminatório dado às mulheres  e o uso das mais humildes pelos homens de maior estatuto social, trazendo para os seus sermões as questões de castidade e a proteção dos mais pobres. Ela vem para se tornar enfermeira uma das poucas profissões dignas para mulheres naquela época, mas sonha ser uma atriz e cantora e sente-se atraídas pelas regalias, a adulação do público e o dinheiro. Na capital encontra espaço para a concretização destes anseios. Duas personagens intensamente apaixonadas e fortes na defesa das suas ideias que chocam entre si e com a sociedade quando um desmascara o farisaísmo da Igreja e das elites e a outra faz sucesso e se instala num mundo de luxo e vício.

O romance junta uma visão religiosa ultraconservadora nos costumes com opção por uma igreja pelos pobres e o conflito desta com um mundo laico, onde dinheiro, luxo e luxúria estruturam uma sociedade estratificada e onde o clero se instala comodamente. Todavia a trama não se limita a este confronto, sente-se alguns preconceitos que depois são em parte resolvidos, como a quase incompatibilidade entre ser-se atriz ou cantora profana e a dignidade cristã, uma valorização do sofrimento e martírio e também que este último aspeto é mais típico do catolicismo e assume a necessidade de reformular a ligação Igreja-Estado dado existirem personagens próximas que integram o Governo.

No texto são evidentes alguns problemas de tradução, ora parecem-me vocábulos inadequados ao século XIX, ora frases com erros gramaticais que pontualmente perturbam a leitura, contudo é um bom e grande romance. A narrativa talvez tenha algum sentimentalismo excessivo. Não sei se o não reconhecimento literário do autor se deve mais a preconceitos pelo modo como aborda assuntos religiosos e a denúncia desta moral decadente e injusta ou pela qualidade de escrita, mas a partir de "O Apóstolo" deduzo que o sucesso à época pode dever-se a escrever uma literatura fácil que se pode enquadrar num estilo de educação cristã com um pendor romântico num período de luta pelo laicismo.

Um drama acessível e novelesco que levanta várias questões morais que me impressionou, me fez pensar e gostei de ler.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

"HOMO SOLIDARICUS Derrubando o mito do ser humano egoísta" de Wegard Harsvik e Ingvar Skjerve


 Citação

"o homem não é escravo dos genes e da biologia é o que permite o Homo solidaricus"

Terminei a leitura do ebook "HOMO SOLIDARICUS  Derrubando o mito do ser humano egoísta" dos políticos trabalhistas noruegueses Wegard Harsvik e Ingvar Skjerve, uma obra que junta a forma de ensaio à de um manifesto político das ideias dos autores com base no modelo de sociedade da Noruega e na crença de que o ser humano não está refém dos seus genes para ter de ser um lutador egoísta pela sua sobrevivência e ascensão social, o que é, metaforicamente, designado como Homo economicus, mas que este pode ser também fruto de uma cultura e tornar-se num espírito cooperante para criar uma sociedade melhor e constituída pelo Homo solidaricus. 

Os autores estão ideologicamente enquadrados nas ideias socialistas e são declarados adversários do liberalismo, acreditam na bondade da generalidade das pessoas e que estas estão disponíveis para o bem ao próximo, para prosseguir com a denúncia de ideias perniciosas associadas ao liberalismo e à crença na meritocracia que, segundo os mesmos, seguem filosofias radicadas no egoísmo, refere personalidades que propagam estas ideias, centrando-se na obra de Ayn Rand, que conduz a uma competição desenfreada do capitalismo tipificada no Homo economicus.

Depois expõe um conjunto de experiências no âmbito das ciências sociais e naturais, envolvendo não só sociedades humanas, mas também de primatas e outros animais, para evidenciar que a cooperação também é um mecanismo radicado na natureza favorável à sobrevivência das espécies, sendo que os cidadãos podem ser educados no sentido do benefícios da solidariedade desde que esta seja modelada por princípio de justiça de forma a transformar o homem num fruto da biologia e da cultura do tipo Homo solidaricus, onde o caso mais avançado neste sentido é a sociedade norueguesa e escandinava. 

Mesmo subscrevendo muito dos princípios e valores enunciados na obra, não deixo de sentir que se está perante um manifesto ideológico, onde as ideias fora do âmbito dos autores são todas consideradas nefastas e a crença da quase perfeição nas suas. Infelizmente, ensinou-me a vida que nas ciências sociais muitas vezes os estudos são moldados pelos preconceitos dos investigadores, pelo que a seleção das experiências apresentadas são todas no sentido da defender as ideias do autores do livro e tudo o que não está conforme com estas, sente-se que estes consideram como sendo análises e conclusões falsas e artificialmente afetados pelos preconceitos dos outros que pensam diferente que à partida não merecem qualquer credibilidade. 

Apesar da ressalva de ser um manifesto tendencioso, gostei muito do livro, bom para a reflexão sobre sombra que ameaçam o mundo atual e concordo com muitos aspetos, cita intensamente um autor que me tem marcado nos últimos anos e cujas obras em ebook já aqui apresentei: Yuval Noah Harari. Novamente a seleção é limitada aos pontos que vão no sentido dos autores deste manifesto.

Este ebook é uma tradução do Brasil, mas que recomendo a todos os que gostam de refletir ideias políticas, embora, presentemente, muitos se alheiem deste campo de reflexão, deixando espaço aberto à ocupação desse vazio de amadurecimento do pensamento para preenchimento por populistas oportunistas que podem comprometer o futuro.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

"Grand Hotel Europa" de Ilja Leonard Pfeijffer


 Excertos

"O que a Europa tem a oferecer ao mundo é o seu passado. À medida que o velho continente perde influência, a todos os níveis, no palco mundial talvez tenhamos pouca escolha além de vender o nosso passado."

"era um lugar fantástico. Raramente tínhamos visto tanta pobreza autêntica num país muçulmano."

"o turismo destrói precisamente aquilo que o atrai."

Há poucos romances cuja leitura me marcou o suficiente para mudar significativamente o meu pensar ou o modo como vejo o mundo à minha volta: "Grand Hotel Europa", do neerlandês Ilja Leonard Pfeijffer, fica neste restrito conjunto de obras e moldou o que penso ser a Europa de hoje, a perceber melhor o seu declínio e o papel que cabe ao turismo no disfarçar do declínio do Velho Continente.

Grand Hotel Europa tem como protagonista o próprio Ilja Leonard Pfeijffer, o seu alter-ego relata o fim da sua relação com uma italiana genovesa de famílias tradicionais e especializada em arte antiga, nomeadamente Caravaggio de quem procura o que seria o seu último quadro desaparecido e que permite um périplo por vários locais no livro. Ilja Pfeijffer narra ainda os contactos com outras pessoas do hotel para onde se mudou para escrever as memórias sua anterior paixão e onde encontra personagens tão diversas como uma poeta feminista, um polaco filósofo e conhecedor do passado e presente do velho continente, um grego petulante, um mordomo cheio de recordações do passado glorioso do estabelecimento que acolhia a aristocracia europeia e o porteiro refugiado do norte de África cheio de aventuras e que absorveu a Odisseia de Homero. Em paralelo, o escritor narra a sua intervenção num grupo de cultura subsídio dependente da União Europeia num trabalho sobre o turismo e que pretende ser uma obra de arte sobre o turista típico. Ilja conta ainda no que se transformou Veneza que se afunda devido ao turismo, local de um emprego da sua anterior companheira e ainda relata sobre outras cidades que colocam a nu o que é a Europa de hoje e os efeitos do turismo e os diferentes tipos de turistas.

O romance não é assim apenas uma obra de ficção, é também um ensaio socioeconómico sobre a atual Europa, a sua história e a força do seu passado pujante. Não conheço livro que melhor descreva o que é este Continente hoje (a obra anterior à guerra da Ucrânia) e, em simultâneo, é um manifesto sobre o que o turismo em massa está a fazer à Europa e o reconhecimento da inexistência de alternativas para este extenso museu visitável por todas as economias que se estão a sobrepor a ele. O livro contém histórias que são metáforas do triste destino desta que foi uma recente potência de âmbito planetário.

Uma escrita cáustica, sarcástica, por vezes irónica, noutras hilariante e também com passagens chocantes e deprimentes e com momentos íntimos da sua relação recém-terminada para apimentar a narrativa. Não considero uma obra-prima literária, é típico romance pós-moderno que mistura a factos com ficção para fazer um retrato da atualidade, que não é bonita e lê-se com facilidade, prazer, por vezes com algum suspense e, sobretudo, levanta pistas para a reflexão com passagens muito fortes.

Recomendo a qualquer leitor, em especial a todos colecionadores de múltiplas viagens de férias. Gostei muitíssimo.

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

"Trilogia" de Jon Fosse



Acabei de ler o meu primeiro livro do norueguês Jon Fosse, o vencedor do prémio Nobel de 2023. A obra "trilogia" é constituída por três novelas, em que cada uma surgem as mesmas personagens principais, de modo a que o conjunto se completa num romance mais vasto.

Na primeira novela, Alse, tocador de violino, e Alida, empregada doméstica e grávida, ambos pouco mais que adolescentes, saem da terra rural natal para Bjorgvin (Bergen), uma fuga da sua situação mal tolerada pelo conservadorismo da aldeia; na cidade buscam alojamento que não conseguem encontrar, até que chega à hora de nascer Sigvald, em paralelo assistimos ao pensar de cada um sobre como vê o outro. Na segunda, Alse adota o nome de Olav e veio à cidade a partir do local que ocupou para residir e com a ideia de comprar uma aliança para Alida, ela agora com o nome de Aste, mas na viagem encontra um velho que mostra saber de todas as malfeitorias que Alse terá feito na primeira novela, enquanto o chantageia ele consegue comprar uma prenda alternativa para a sua companheira, mas a denúncia levará a um final diferente, igualmente cada membro do casal imagina sobre o outro. Na terceira, Alida já morreu, mas pelos olhos de sua filha, Ale, sabemos que a mãe terá ficado sem o seu primeiro companheiro e juntou-se ao seu pai numa solução para a sua situação de abandono e assistimos ao evoluir desta nova realidade.
Jon Fosse tem, efetivamente, um estilo muito próprio de construir a sua narrativa: uma sucessão de frases muito curtas: ora unidas pela conjunção "e", ora constituindo diálogos sem sinais de interrogação ou de exclamação, mas rematados por disse ele, ela ou outro interlocutor, deixando pontualmente a dúvida de quem de facto o disse, mas que, por adição, vai montando a história de modo semelhante ao pontos que no pontilhismo constroem a imagem impressionista. Surge assim um texto minimalista que parece ritmado e sincopado com abundância de notas de união.
A história é de fácil apreensão, mas os sentimentos parecem ausentes, o que dá um caracter frio e de solidão nas relações humanas, apesar de se sentir a presença do amor, do ódio e do oportunismo na forma como cada personagem fala ou reflete sobre o outro.
Gostei, foi um experiência de leitura de uma narrativa escrita de forma diferente.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

"Águas Passadas" de João Tordo

 

Citações

"A única coisa necessária para que o mal prospere é que os homens bons não façam nada."

"As pessoas que gostam de ler não são felizes nas suas vidas."

Um corpo de uma jovem arroja numa praia com sinais de violência post-mortem semelhantes ao de um crime cometido 30 anos antes, um segundo cadáver violentado como outro caso na mesma época passada, uma sub-comissária atada pelas dificuldades na esquadra e problemas da vida pessoal, um eremita que testemunhou os casos arquivados e o arrojamento que decide apoiar a mulher-polícia e um grupo de luso-ingleses influentes e poderosos que surgem por detrás de tudo isto. Ficam reunidas as condições para uma investigação inicialmente a ritmo lento e com grande tensão psicológica num período de permanentes chuvas sobre a região de Lisboa, um caso que evolui para um final violento e acelerado onde se desvenda o presente e aquilo que politicamente fora abafado no passado.

Este é o terceiro romance de João Tordo que leio e mostrou-se-me um escritor eclético que vai de dramas com análise social a obras policiais, mas onde sempre estão presentes tensões psicológicas nos protagonistas que se articulam com a trama. Em "Águas Passadas" tal como em "Ensina-me a voar sobre os telhados" o peso dos mortos sobre os vivos existe, bem como a ajuda coletiva para ultrapassar as questões individuais.

Este policial, lembra-me o estilo dos policiais de Leonardo Padura, a violência dos policiais nórdicos e ainda mostra o frequente descontentamento dos portugueses com as suas instituições e sociedade, numa simbiose e num tom característico do escritor.

Gostei, é de fácil leitura e com pontes para obras-primas da literatura mundial, como este romance de Tolstoi, 

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

"Ravelstein" de Saul Bellow

 

Voltei ao escritor laureado com prémio Nobel em 1976, nascido no Canadá e naturalizado Norte Americano Saul Bellow com a leitura do seu último romance "Ravelstein".

Chick apresenta-nos com um enorme brilhantismo o seu grande amigo Ravelstein: uum grande e influente professor universitário de filosofia política, um acutilante crítico dos comportamentos sociais e das pessoas alicerçado nos seu saber dos filósofos e da história  clássica e dos judeus e acede aos principais líderes ocidentais. Extravagante, satírico e homossexual, adora roupas de luxo, gastronomia requintada e música barroca e Paris. É ainda o mentor de alunos que se fascinam por ele e. quando reconhecidas suas capacidades por este, tenta orientar as suas vidas. Quase sempre viveu com dificuldades em sustentar os seus caprichos, mas, de uma sugestão de Chick, escreve um livro sobre si e suas ideias que o torna imensamente rico, o que lhe permite satisfazer os seus gostos. Em Paris encomenda a Chick a sua biografia, sendo-lhe depois diagnosticada SIDA. Decorre então um período do desenvolvimento da doença, mas não de abatimento da sua personalidade, é acompanhado de perto por Chick e a última mulher deste, descrevendo a sua luta, seguindo-se os efeitos da sua ausência nos amigos dele, até que Chick adoece com uma toxina e reconhece a importância dos que lutam pelos outros e do seu dever de eternizar o seu amigo.

Escrito com uma ironia requintada e cheio de referências cultas que mostram a força de uma grande amizade sem complexos por quem é diferente. É um elogio a mentes geniais e às pessoas que dão tudo para outros sobreviverem nesta vida. Denuncia, uma marca deste autor, os complexos dos judeus norte-americanos na integração social através de reflexões filosóficas e religiosas. Apesar de dois períodos de doença, nunca a narrativa se torna deprimente, pois o bom humor acutilante atravessa todo o livro que me cativou do princípio ao fim. Magnífico e sintético, eis uma obra com pouco mais de 200 páginas que, ao contrário de outras obras onde Bellow se estendeu excessivamente, constrói para mim um romance leve e culto, mas perfeito de um galardoado com o Nobel da literatura.

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

"O Mapa de Sal e Estrelas" de Jennifer Joukhadar

 

Citação

"as histórias acalmam a dor de viver, não de morrer. As pessoas pensam sempre que morrer vai doer. Mas não. É viver que nos magoa."

Estreei-me nesta jovem escritora sírioamericana com o seu primeiro romance "O Mapa de Sal e Estrelas".

Nour é filha de um casal sírio, emigrado em Nova Iorque e desenhadores de mapas, a mãe é cristã e o pai muçulmano, este morreu, criou um vazio nela e a família a retornou a Homs para reconstruir a vida. Aqui, a guerra civil apanha-os num bombardeamento. Mãe, irmãs, Nour e outros decidem fugir até Ceuta, um trajeto comum a tantos refugiados atuais das guerras no médio-oriente. A obra depois narra as dificuldades e mortes da caminhada pelos olhos da criança. Nour, tem sinestesia (associa cores aos sons e cheiros), em paralelo recorda a história que seu pai lhe contava sobre Rawiya: uma menina que fugira de Ceuta há 800 anos atrás para encontrar com Idrisi, o cartógrafo (personagem real) que depois foi encarregado de elaborar um mapa para o rei da Sicília dos territórios entre a Síria e o Magrebe. É a época dos cruzados e do expoente máximo da cultura e riqueza árabe, outra narrativa com as fantasias da idade média.

As agruras pintam o mapa com o sal das lágrimas e as estrelas desenham a esperança do caminho, realidades que se entrecruzam nos mapas de duas épocas tão diferentes dos mesmos territórios.

A autora, usa a sinestesia de Nour, para desta situação neurológica criar metáforas e dar cores e cheiros a situações e acontecimentos e fazer uma denúncia dos problemas dos refugiados sírios em torno da Europa. Não há acusações, nem toma partido por fações. Apenas temos vítimas humanas, que correm riscos de vida, morrem e sofrem e memórias de outros tempos fantasiosos que, sem serem pacíficos, contrastam na riqueza de então com a destruição atual.

Um livro muito fácil de ler numa narrativa comovente que mistura factos atuais, personagens históricas e fantasia para mostrar ao mundo um problema humano: os refugiados e vitimas inocentes das guerras, algo que presentemente cerca a Europa.

domingo, 5 de novembro de 2023

"O Hóspede de Job" de José Cardoso Pires

 

Acabei de ler "O Hóspede de Job" do escritor português José Cardoso Pires que, junto com José Saramago e António Lobo Antunes, fazem parte do trio que me cativou para a literatura lusitana da segunda metade do século XX.

Este pequeno romance, talvez mais uma novela, tem uma trama difícil de qualificar e de descrever, corresponde a um cruzamento de várias narrativas simultâneas passadas no Alentejo em plena ditadura do Estado Novo. Através destas apercebemo-nos do uso das forças policiais como instrumentos ao serviço da política e a desconfiança das populações. Vemos um povo rural que, maioritariamente, vive refém do trabalho precário em regime de jorna, pago como uma esmola e em que as famílias poderosas se sentem protegidas pelo sistema. Uma época onde as migrações internas em que autóctones e migrantes concorrem entre si em proveito das famílias bem estabelecidas. É um período em que quem proteste por melhores condições laborais pode ser considerado subversivo e em que Portugal entrou em guerra sem a população perceber porquê, nem sequer tem noção do que é um inimigo, enquanto num quartel as forças armadas recebem formação de militares por norteamericanos que olham para a miséria deste país, ora com pena, ora como uma terra de férias, e onde os danos colaterais desta decisão caem sobre pessoas indefesas e a desconfiança e o protesto são manifestados de modo escondido.

Um livro com uma escrita ao mesmo tempo poética, dura e bela, onde o autor faz um quadro do Portugal rural da década de 1960, com um povo indefeso, desconfiado, entre o acomodado à sua miséria e a luta por uma situação melhor, um confronto onde ser vítima e sobrevivente faz parte do quotidiano. Uma obra que foge ao neorrealismo costumeiro da literatura portuguesa de então e é uma homenagem ao irmão do escritor que morrera em serviço militar. Uma obra ainda sem a grandeza da maioridade literária José Cardoso Pires mas onde todo o seu potencial e originalidade já se mostra.

sábado, 28 de outubro de 2023

"Cem anos de solidão" de Gabriel Garcia Marquez

 

Citação

"o segredo de uma boa velhice não é mais do que um pacto honrado com a solidão."

Apesar de ser um grande leitor, não sou dado a releituras, que me lembro "Cem Anos de Solidão", do colombiano e prémio Nobel da literatura Gabriel García Marquez, é o terceiro romance que releio, neste caso passados 35 anos de quando o li pela primeira vez e é talvez a obra emblemática deste escritor.

José Arcadio Buendía e sua esposa Úrsula com mais um conjunto de homens e mulheres partem da sua terra em busca do mar e perdem-se na floresta amazónica e criam a sua aldeia Macondo isolada do mundo e apenas visitada por artistas de circo que comunicam os seus saberes mágicos que José Arcadio se deixa aliciar e no qual investe os parcos rendimentos do casal. Começa então a história desta família marcada pela pobreza, magia, solidão e guerra que se estende por 7 gerações de amores, traições, incestos, loucuras, guerras, vitórias, derrotas, sucessos e superstições num mundo em que ocorrem invenções tecnológicas e revoluções políticas e económicas cujos ecos chegam e perturbam progressivamente Macondo e as relações humanas desta terra perdida na floresta entre a realidade, a magia e os espíritos dos mortos.

Numa narrativa que criou o estilo do realismo mágico, o autor encadeia um conjunto de acontecimentos e loucuras a ritmo alucinante onde se conta a vida das várias gerações de Buendías, marcados pela personalidade mais terrena e alquímica dos Arcádios ou mais guerreira e social dos Aurelianos, sempre sujeita à força das mulheres e amantes que a integram ou que com ele se cruzam. Assim, de uma forma indireta, se denunciam as injustiças sociais da América Latina, se fala das revoluções políticas de que o continente foi alvo e de cujos frutos nunca responderam às esperanças revolucionárias e onde a pobreza e superstição apenas permitem uma vida de um povo marcada pela solidão e superstição.

Um romance que é um clássico e uma obra incomparável pela sua originalidade e força, onde o leitor se perde entre gerações com nomes iguais, entre a realidade e a magia, entre a esperança e a desilusão e entre a busca do outro e a solidão. Uma obra que deve ser lida por todos os que amam a literatura ficcionada como arte que combina a narrativa, a criatividade e explora os limites da escrita, enquanto monta um retrato da realidade sem o fotografar. Um excelente livro

sábado, 14 de outubro de 2023

"Os comedores de pérolas" de João Aguiar


Citação

 "Ou andamos todos a puxar uma nora sem dono ou estamos todos na mão de Deus."

Ao fim de vários anos regressei a João Aguiar, um jornalista e escritor português de quem lera romances históricos passados em território nacional antes do nascimento de Portugal e com heróis reais pré-nacionalidade de que muito gostei pela informação fornecida sobre esses tempos. Agora leio numa obra publicada em 1992 passada em Macau já na sombra da transferência da administração deste território para a China que decorreu em 1999.
Em "Os comedores de pérolas" o protagonista, Adriano, um jornalista que na sequência de uma luta via profissional por uma causa ambiental entra em depressão é lhe recomendado aceitar um trabalho de analisar o espólio de um antigo comendador de Macau, com documentos em português, chinês e inglês, para daí se publicar um livro sobre a vida desse homem de há um século atrás e patrocinado por um seu descendente. Só que rapidamente Adriando se apercebe que nesses documentos há segredos e existem aspetos cujos tradutores falseiam o conteúdo para esconder envolvências com mafias chinesas, contrabando e tráfico humano e começa a sofrer pressões para preservar o bom nome do magnata e sua mulher.
A situação agrava-se quando com incidentes e assassinatos descobre que ele mesmo está em risco de vida e à sua volta existe uma teia de espiões ao serviço do neto do Comendador que financia o seu trabalho.
Os comedores de pérolas é de facto um romance de investigação e ação do género literário de suspense ou tríler, que nem falta a mulher por quem o herói se encanta, cuja tensão vai aumentando à medida que a narrativa avança em forma de diário irregular do protagonista. Nas notas existem reflexões sobre o fim da presença de Portugal em Macau e a sensação de amargura do declínio do império e descrições sobre a mistura de culturas neste território, o património em risco devido à transição administrativa da cidade, referências a locais emblemáticos e a realidade das redes mafiosas designadas de seitas ou tríades.
Uma escrita mais jornalística do que embelezada por figuras de estilo literário e não muito pretensiosa, mas uma obra que vale a pena ler pela facilidade de cativar, daí ter sido um sucesso editorial na época, enquanto vai colocando as preocupações culturais associadas à retirada de Portugal deste território pequeno face a Hong Kong. Macau, que já visitei e por isso percebi a razão de ser de tais alertas: uma terra que oficialmente ainda usa a língua Portuguesa, mas onde, de facto, praticamente ninguém fala uma palavra do vocabulário de Camões, apesar de um núcleo com o património arquitetónico bem preservado e classificado pela UNESCO. Gostei do romance, fácil e recomendo a quem gosta do género de investigação e ação

domingo, 8 de outubro de 2023

"Quarteto de Havana II - Paisagem de Outono"

 

Terminei o quarto e último romance policial do "Quarteto de Havana", intitulado "Paisagem de Outono" e escrito pelo cubano Leonardo Padura.

O designado "Quarteto de Havana" corresponde a um conjunto de 4 romances independentes, todos decorridos ao longo das 4 estações do ano de 1989 e sempre protagonizados pelo polícia de investigação criminal: o tenente Mario Conde. Este vive a sua carreira profissional de forma frustrada perante a corrupção e injustiça que assiste no seu país, afogando a sua mágoa no vício do álcool, nas memória da sua grande paixão de juventude e no convívio com os seus amigos do ensino pré-universitário e sempre a sonhar no seu desejo de sempre: ser escritor.

No presente romance, que decorre no outono, Mário Conde sabe da demissão do seu superior com quem mantinha uma grande relação de confiança e sabia ser um incorrupto. Por isso, decide abandonar em definitivo a profissão, mas é chamado pelo novo chefe que só aceita a sua demissão na condição de descobrir quem assassinou, castrou a atirou ao mar Miguel Forcade: um fugitivo de Cuba que fora um antigo responsável pela gestão dos bens artísticos da burguesia expropriada pela Revolução, mas que agora visitava o país na sequência de uma autorização para ver o seu pai muito doente.

O Tenente aceita o desafio e em pouco suspeita que a vinda estaria relacionada com o objetivo de tirar de Cuba uma obra de arte valiosa que o enriqueceria no exílio, e a morte talvez uma vingança de despojados no passado ou de alguns dos envolvidos na operação de resgate de peça valiosa, incluindo a mulher dele, uma loura bem mais jovem que desperta o interesse do detetive, tudo isto decorre nas vésperas do aniversário de Mário Conde e sob a ameaça de um furacão se abater sobre Havana.

A obra de Padura costuma rechear-se de denúncias dos problemas sociais e falhanços do sistema político que instalado em Cuba com a revolução e este romance não é exceção. Entre investigações há sempre as referências à pobreza vivida no país, à corrupção que mina a economia e as dificuldades de expressão devido à falta de liberdade que se suavizam pelo álcool, imaginação gastronómica para vencer o racionamento e a sexualidade intensa das personagens cheias de memórias.

Gosto deste escritor quando envereda por relatos históricos como nos seus romances Hereges e O Homem que gostava de cães, neste livro de facto há um momento em que Padura vai às origens da peça que de facto esteve na origem da vinda de Miguel Forcade e desencadeou depois tudo o que Mário Conde, por intuição e investigação deslinda e o leva ao seu sonho. Um policial típico do autor, que é mais do que uma mera obra de investigação criminal e fácil de ler

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

"Assim começa o mal" de Javier Marías


 Citações

"Na realidade, tudo aquilo que se conta, tudo aquilo a que não se assiste, é apenas rumor, por muito que venha envolvido em juramentos de pura verdade."

"... quando se renuncia a saber aquilo que não se pode saber... talvez então assim comece o mal, mas em contrapartida, o pior fica para trás."

" O perdão não aguenta tanto como a vingança."

Regressei ao meu escritor sensação e fetiche dos último ano e meio, nunca um escritor me levou a acompanhar a sua obra tão intensamente como o espanhol Javier Marías, agora chegou a vez de um dos seus romances publicados há quase uma década "Assim começa o mal".

O jovem Juan de Vere é contratado pelo realizador de cinema Eduardo Muriel para seu secretário particular, logo de início descobre o mau relacionamento deste com a mulher Beatriz e entra em contacto com o círculo de amigos do empregador. Muriel incube o seu secretário de descobrir a veracidade de um boato sobre um dos seus amigos mais próximos de quem ouviu ter um passado desonrado relacionado com a atitude do mesmo com mulheres. O jovem não só descobre aproveitamentos relacionados com o seu poder de influência perante o regime ditatorial de Franco, como promiscuidades recentes, enquanto em paralelo verifica uma vida secreta de Beatriz e a infelicidade desta, como ainda desenvolve uma paixão juvenil pela mesma. A investigação leva ao perceber uma teia complexa de relacionamentos humanos com vingança sob o regime político subalternizava as mulheres, mentiras e abusos de poder imorais que logicamente apontam para tragédia e infelicidade.

Como sempre é a escrita o elemento que mais me cativa em Javier Marías, um narrador onde as suas histórias se desenrolam a uma velocidade lentíssima, quase paradas e travadas por uma engrenagem de reflexões sobre comportamento humano, pormenores linguísticos e tratamento de sinónimos que travam o evoluir da narrativa mas criam textos extensos riquíssimos, no caso presente também na denúncia do que foi a vida sob a ditadura e o pacto social para criar uma paz podre cheia de segredos e de reescritas do passado de muitos que permitisse a democracia se instalar até ao início dos anos de 1980 sem a vingança destruir o novo regime.

Gostei do romance, não é o meu favorito do autor, mas também não me desiludiu e como sempre a sua escrita deixou cativado na apreciação do texto, mas não é uma obra fácil e de leitura rápida.



terça-feira, 8 de agosto de 2023

As sete mortes de Evelyn Hardcastle de Stuart Turton

 


Acabei de ler "As sete mortes de Evelyn Hardcastle" de Stuart Turton" do escritor inglês Stuart Turton, sabia tratar-se de uma obra enigmática e de investigação criminal, mas pouco mais sabia do romance.

Alguém desmemoriado perdido numa floresta segue uma ordem de ir para leste com uma bússola, recorda que assistiu ao assassinato de Ana, nada mais, na sua rota chega a uma casa senhorial, isolada, mal conservava e é reconhecido e acolhido como um dos convidados de uma festa privada. Nesta, ao final da noite ocorre numa encenação de suicídio o assassinato da filha dos anfitriões e dá-se a situação de o protagonista estar obrigado a deslindar o caso para poder sair da mansão, mas a realidade está muito além de uma simples investigação e Aiden Bishop não é um simples indivíduo único, pois o dia volta a repetir-se com o mesmo desfecho e festa até ser desvendado o criminoso, havendo quem faça tudo para impedir o seu sucesso, incluindo a matando os eus de Bishop e procurar matar Ana.

Aquilo que inicialmente parecia uma simples trama linear de crime e investigação, veio a revelar-se num romance gótico com crime, castigo num mundo surrealista. Sobre o ponto de vista de escrita, o texto está cheio de frases e ideias para recordar e fazem pensar... mas as repetições dos acontecimentos com mudanças subtis à semelhança de uma obra uma musical com tema e variações, tecem uma malha que embora mantenha o suspense, vai-nos surpreendendo. Gosto de obras góticas no domínio do terror, já de investigação criminal com surrealismo ou fantástico deixou-me incomodado... mas para quem gosta do estilo de narrativa é um excelente puzzle eo texto é riquíssimo para muitos sublinhados.


domingo, 18 de junho de 2023

"Estorvo" de Chico Buarque

 

Li o romance de estreia "Estorvo" do cantor e escritor brasileiro Chico Buarque e galarduado com o prémio Camões. Tinha esta obra integrada numa coleção que comprei e associada a uma assinatura de um jornal.

Na transição entre o sonho e a realidade de um acordar com o toque da campainha, o protagonista vigia quem pretende ir ao seu apartamento, num vislumbre reconhece mas não lhe abre a porta. Regressa então à cama e entramos numa espécie de delírio entre memórias e uma peregrinação de uns dias onde todos os momentos narrados sucessivos corresponde a uma mistura da realidade presente e recordações de factos, desde ao visita à ex-mulher, ao roubo da irmã numa casa de sonho, passando por mala de estupefacientes e visitas a uma casa de infância ocupada por gente muito estranha.

Num texto poético que parece um delírio, é de facto uma obra estranha, mas que depois de começar a ler, li compulsivamente embora mais me parecer o evoluir de um sonho cheio de factos do que uma narrativa linear. Gostei embora por vezes me sentisse perdido num surrealismo cujo o texto me deu prazer de ler.

sábado, 10 de junho de 2023

"Entre dois Palácios" de Naguib Mahfouz

 

Citação
"É impossível escapar a uma desesperança insondável"
" A fé é mais forte que a morte e a morte é mais nobre do que a humilhação."

Neste momento estou numa fase de forte redução do tempo disponibilizado à leitura, pelo que, levei dois meses e meio a ler as 609 páginas do romance "Entre os Dois Palácios", o primeiro da denominada "Trilogia do Cairo", escrito pelo autor egípcio, laureado com o Nobel da literatura, Naguib Mahfouz.

Este romance conta a vida dos membros da família Ahmad Abdel Gawwad, composta pela subserviente segunda mulher e os cinco filhos dele durante o período da I Grande Guerra Mundial  e vai até à revolução de reivindicação da independência do Egito. Um período de transição em que o país está ocupado pelo ingleses e os Turcos do império Otomano já deixaram o território e a nação muçulmana anseia por se libertar da tutela estrangeira cristã.

O líder da família é um importante comerciante influente e respeitado no seu bairro, mas tem duas personalidades: a primeira gere a família com um feroz conservadorismo e obediência à fé muçulmana, retém em casa a mulher e filhas sem qualquer contacto social e impõe aos filhos uma obediência cega às suas diretrizes e apesar de dois deles serem maiores tal não impede o uso da violência física e psicológica. A segunda personalidade é a de um dissoluto com mulheres, apaixonado pela música e poesia e viciado em álcool.

Apesar do terror imposto por sayyed Gawwad, os elementos da família tendem a desobediências e a esconder esses factos, desde o primogénito filho de um primeiro casamento que segue as pisadas do pai na sua vida fora de casa, a uma filha demasiado agressiva na linguagem e a outra de excecional beleza que se quer mostrar, passando pelo idealista Fahmi com ideais políticos de participação na revolução e ainda criança a Kamal que inocentemente desrespeita as regras e se torna mascote de ingleses que ocupam a rua. Exceção para a subserviente mulher, que apenas por um deslize aliciado pela família será alvo de um castigo desproporcionado.

O romance, ao retratar a intimidade desta família, inclusive o pensamento das suas personagens, mostra a cultura egípcia, a mentalidade tradicional das suas gentes, o peso da religião islâmica nas relações humanas e na formação da personalidade. Não faz julgamentos sobre o certo ou o errado de forma evidente, mas ao salientar a hipocrisia, põe a nu uma sociedade patriarcal onde a mulher não é livre, nem tem voz, mas também onde esta inclusive não só aceita essa secundarização, como até se choca com outras que têm maiores liberdades.

A situação também está evidente na tradição dos casamentos negociados pelos mais velhos e não por escolha pessoal dos envolvidos, da imposição do patriarca aos filhos, além das formas como certos personagens contornam a imposição religiosa e moral mantendo as aparências social, sem omitir a exposição do caminhada para a independência deste povo dominado por estrangeiros. O romance mais do que denunciar, serve para reflexão do leitor e compreensão das diferenças culturais entre ocidente e o médio oriente islâmico.

Com numerosas referência ao Corão está-se perante uma narrativa que junta uma trama e informação histórica, com textos, por vezes, com parágrafo muito extensos intercalados com diálogos, onde há um uso de metáforas bem distintas das que podem brotar na cultura ocidental. Um excelente romance que desperta interesse para a continuidade da leitura dos volumes seguintes para completar a saga familiar e compreender a história do Egito na primeira metade do século XX.

domingo, 23 de abril de 2023

23 de abril - Dia Mundial do Livro

Todos anos, é neste dia comemorativo que apresento os livros que considerei as minhas maiores leituras ao longo de um ano desde a comemoração anterior. Fruto de alterações na minha vida pessoal, reduzi drasticamente o tempo e mesmo nalguns momentos a disposição para leituras, mesmo assim, aqui vão duas obras que me marcaram.

Livro mais marcante

O teu rosto amanhã de Javier Marías

Três volumes para uma extensa, densa e original obra-prima com uma escrita muito rica, nem sempre fácil para todos, cheia de apreciações linguísticas e sinónimos que compara a língua e cultura de Cervantes com a de Shakespeare, mas pela proximidade da primeira à de Camões, pouco perde na sua tradução para o português. Uma obra que mistura ficção e personagens reais que entra pelo mundo dos serviços secretos e seus potenciais abusos e questões morais entre as limitações legais e a segurança pública. Um misto de espionagem e tratado filosófico sobre ética, psicologia e moral que me colocou fã e leitor compulsivo do autor.

Os três volumes sucessivamente tratados neste blogue aqui, aqui e aqui.

Literatura em Português


Pela sua originalidade e facilidade de leitura, ternura e juntar o mundo luso atual e a forma de pensar nipónica, gostei e foi uma excelente surpresa, por isso classifico-o como o romance escrito em português originalmente que mais gostei.

Falei dele aqui.

Para já, votos de boas leituras e descobertas no mundo fascinante dos livros nas suas mais diversas formas: ficção, poesia, divulgação científica, ensaio, fotografia, banda-desenhada ou mesmo literatura infantil. Leiam!