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domingo, 9 de setembro de 2018

"Um homem de partes" de David Lodge


Excertos
"Tive muitas aventuras. Na maior parte delas não houve amor. Pela parte que me toca - e também pela que toca à maioria das mulheres - tratou-se apenas de uma permuta de prazer. A ideia de que temos de fingir que estamos apaixonados por uma mulher para termos relações sexuais com ela - ideia que devemos ao cristianismo e à ficção romântica - é absurda. Só serve para causar frustração física e sofrimento emocional."

"Esta multidão de cérebros vagos, amáveis e acríticos é a matéria-prima com que o velho e querido Marx contava para exercer a ditadura do proletariado,"

Acabei de ler o romance biográfico sobre H. G. Wells - um dos pioneiros da literatura de ficção científica como previsão e alerta do evoluir da humanidade a médio-prazo fruto das descobertas tecnológicas conjugadas com os defeitos do sistema social na transição do século XIX para o XX - escrito pelo inglês David Lodge e com o título "Um homem de partes".
Recomendaram-me esta obra, não só para conhecer Lodge (de quem ainda só li um romance cheio de humor, este), mas, sobretudo, para compreender quem fora Wells, o autor de: A máquina do tempo, A guerra dos mundos, O homem invisível, A Ilha de Doutor Moreau e muito contos, de quem tudo o que lera eu gostara, por isto tomei a decisão de comprar este livro que foi um murro no estômago.
Wells, de origem humildes passou por dificuldades devido à pobreza na infância, mas foi sempre um leitor inveterado e com isto tornou-se num socialista não marxista, num hedonista defensor do amor livre no que considerava quase o cerne da mudança da humanidade, num promotor da igualdade de direitos para homens e mulheres sob um governo mundial único sem Estados, num interessado pelas descobertas em tecnologia e ciências e num escritor de grande sucesso com obras de ficção científica e chocantes pela promoção das suas ideias radicais que o torna rico e num praticante de sexo livre (deduz-se praticado com mais de cem mulheres cultas e de famílias influentes), sendo que as mais importantes na sua vida foram as suas esposas (curiosamente humildes e mesmo frígidas) e cerca de uma dezena de amantes jovens, inteligentes e progressistas, cujas manutenção da relação era do pleno conhecimento e compreensão da sua segunda esposa que sempre amou.
O livro que começa com o ocaso da vida de Wells, faz depois uma retrospetiva e discussão com ele próprio do que foi a sua vida, dos escândalos, das suas lutas políticas com socialistas mais moralistas, das diferendos com outros escritores como Henry James e Bernard Shaw e em paralelo assistimos às mudanças de mentalidades, às evoluções sociais, económicas e estilos culturais na Inglaterra desde 1860 até 1945 e na Europa com a revolução russa e as duas grandes guerras.
A escrita escorreita é principalmente de um tom alegre, por vezes sarcástico e crítico, embora a obra tenha poucos pormenores de práticas íntimas, o livro choca pela forma como Wells praticou  e defendeu amoralmente a sua visão de sexo livre, fez a sua defesa e a oposição aos ideais mais puritanos e tradicionais. Apesar de eu ser um respeitador liberal dos costumes, não sou um antagonista de certos valores cristãos e familiares e daí o grande murro no estômago que levei com este romance amarrado à realidade do que foi a vida de H. G. Wells. Mas é um grande romance.

2 comentários:

Pedrita disse...

eu sempre estranho o quanto leio pouco de ficção científica, gênero que adoro e vejo direto no cinema. ando tentando reduzir essa falta. anotado. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Só que o livro cita obras de Wells mas das que menos desenvolve são as de ficção científica, que por acaso são as que melhor conheço dele.