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sábado, 16 de abril de 2022

"O teu rosto amanhã" Vol. II - Dança e Sonho, de Javier Marías

 

Excerto

"Nunca sabemos até que ponto e de que modo somos observados pelos que nos rodeiam, pelos mais próximos e mais leais, que aparentam renunciar há muito à objectividade e dar-nos por certos..."

Continuo a leitura desta vasta narrativa que começou no primeiro volume com o aviso de Jacques Deza de que nunca devemos contar nada, falar, dizer, responder, mas  que logo se tornou numa extensa e prolixa exposição do modo como foi recrutado para um serviço secreto inglês no ambiente da Universidade de Oxford e das memórias benevolentes do seu pai denunciado ao regime de Franco na sequência da guerra civil de Espanha e da sua relação com a sua mulher de quem recentemente se separara em Madrid o o trouxera de novo para Londres.

O segundo volume, com o subtítulo das suas duas partes: Dança e Sonho, o narrador, Jaime, Jack ou Jacobo Deza continua a contar pormenorizadamente a sua vida, as justificações de seu pai para a sua benevolência e as surpresas de comportamento dos membros da equipa de trabalho do serviço secreto e dos seus orientadores académicos Peter e . Jacques continua a não saber quem o dirige, talvez Tupra e para quem o seu esforço contribui. Enquanto a narrativa se torna numa reflexão sobre o comportamento humano face à culpa, à reação ao medo, à necessidade de nos proteger e de nos integrarmos socialmente  e à capacidade de fazer o mal extremo como defesa e factos históricos e da atualidade política.

Confesso, Javier Marías - com o seu texto cheio de sinónimos, paralelismos e referências a semelhanças e diferenças entre o idioma inglês e o castelhano para levar à análise das múltiplas faces de cada questão ou assunto que debate ou reflete - conquistou-me pela riqueza da sua escrita e beleza literária da sua forma de narrativa. Onde um escritor em momento de suspense tende de cortar o momento para nos deixar presos e retomá-lo mais tarde ou então despejar de chofre o que nos vai surpreender, Javier Marías dilata o tempo e expõe reflexões do instante em câmara lenta ao longo de páginas sucessivas sem nos cansar, enquanto a espada no seu trajeto vertiginoso ao longo de todo esse período prossegue o seu caminho para uma cabeça em risco de ser decepada e, terminada essa duração esticada, não houve perda de emoção, nem do efeito que nos prendeu ao instante inicial. Só um génio consegue fazer isto em texto.

A teoria de que o tempo é relativo está de facto intrinsecamente instalada nesta narrativa, tudo decorre a uma velocidade cronológica variável de acordo com a vontade do narrador e transposta para a escrita, por norma sem pressa alguma, mas não ao ritmo a que o leitor está habituado ver decorrer uma ação. A riqueza lexical e as variações de sintaxe no texto são de  modo a gerar uma beleza intencional e trabalhada ao pormenor do ponto de vista literário e evidenciam estar-se perante um escritor contemporâneo com um valor acima da média, contudo poderá não ser uma leitura fácil a quem não tem por hábito degustar as frases e as palavras, além da extensão do romance... entretanto, já entrei no terceiro volume que vem em continuidade de cena iniciada no segundo.

4 comentários:

Pedrita disse...

estou bem curiosa com esses livros. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Literatura no seu estado puro

Kelly Oliveira Barbosa disse...

Gostei muito da citação inicial.

Carlos Faria disse...

É um livro cheio de reflexões sobre as pessoas e os seus comportamentos e relacionamentos pelo que se pode tirar muitas citações, não concordo sempre com o texto, mas esta é uma daquelas que subscrevo