Páginas

terça-feira, 2 de junho de 2020

"A Letra Escarlate" de Nathaniel Hawthorne


Excerto
"É assunto curioso de especulação, se o ódio e o amor não serão no fundo a mesma coisa... ...filosoficamente, as duas paixões parecem essencialmente a mesma, excepto que uma nos aparece cercada de uma luz celeste, e a outra de uma luz baça e vermelha"

Li o romance "A letra Escarlate", um dos clássicos da literatura norteamericana escrito no século XIX por um dos principais autores do país: Nathaniel Hawthorne, sobretudo famoso pelos seus numerosos contos e por esta obra, aqui traduzida por Fernando Pessoa.
Na cidade de Boston, então colónia de Inglaterra, é dominada pelos protestantes puritanos ingleses, sendo ainda mais extremados do que na origem. Hester, uma imigrante recente cujo marido médico ainda não chegara, é condenada a subir a um cadafalso na praça central com uma recém-nascida e a exibir para sempre sobre o vestido letra A de adúltera num pano vermelho, mas recusa-se a denunciar quem é o pai da filha, no evento ela descobre na multidão o seu idoso marido. Este, como médico e sem assumir o lugar de esposo, visita-a e obriga-a a manter o segredo da sua relação, mas permanece na cidade para descobrir e vingar-se lenta e continuadamente do ultraje, feito por alguém idolatrado pela sua virtude. Hester sobrevive pelos dotes de costureira isolada e de forma exemplar mas cheia de brio individual, só que o remorso e a vingança vão crescer neste terreno ultraconservador para pecados privados e estalar.
Hawthorne é descendente dos juízes que condenaram as bruxas de Salém e grande parte da sua obra vai no sentido de destruir a intolerância e este romance entra neste género. A narrativa está cheia de reflexões sobre a moralidade pudica sem amor cristão e da luta no interior da consciência e dos sentimentos das personagens, os diálogos estão subjugados a esta análise, além de descrições pormenorizadas da cidade, vestuário e costumes.
A escrita é trabalhada com grande qualidade estilística e a suas metáforas e comparações são extensas, gerando parágrafos densos, algo longo e profundos. Apesar de tudo, o autor tempera no carácter das suas personagens para que a leitura não se torne tão negra quanto a sociedade que descreve. Um magnífico romance que vai muito além da sua trama.

8 comentários:

Joaquim Ramos disse...

Boa tarde Carlos,
Este não conhecia, mas parece ser bom. Gosto muito de ver retratados na literatura perfis psicológicos e denunciadas todas as formas de intolerância, religiosa e outras. E depois tem esse acréscimo de ter sido traduzido por Fernando Pessoa.
Eu continuo com a leitura de O Fio da Navalha de Somerset Maugham, livro que li pela primeira vez na juventude e que me continua a parecer excelente.
A sua mãe continua com os policiais? Gosto mais dos policiais ingleses do que dos americanos. É outra categoria!
Policiais americanos só no cinema e de preferência com o Humphrey Bogart.

ematejoca disse...

Li esse livro ainda em Portugal, que comprei por ser o Fernando Pessoa o tradutor. É um romance inesqucível, mas apoś a leitura da sua análise fiquei com vontade de o ler novamente. Já aqui na Alemanha, vi o filme, mas não é a mesma coisa.

Pedrita disse...

eu gostei muito desse livro. vi o filme tb. fiquei impressionada o qt a obra tem um olhar feminino sobre as relações. que autor sensível. gostei muito tb.
aqui as postagens https://mataharie007.blogspot.com/search?q=escarlate
beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Joaquim Ramos
Minha mãe lê sobretudo policiais britânicos porque eu compro preferencialmente esses, fujo aos nórdicos por muitos serem sádico-violentos mas agora comprei um para a testar e penso menos violento. A letra escarlate (Pessoa traduziu internamente por encarnado mas no original é scarlet) é um dos livros mais importantes da literatura dos EUA do século XIX, menos popular, mas não menor que outras obras de Twain e Poe, os contos de Hawthorne são muito bons.

Ematejoca
Sim, passar toda aquela dose de reflexões psíquicas e sociais a filme deve ser dificílimo e por isso a obra deve ficar bem mais superficial em película. Um romance facilmente bem transposto para cinema, mas um texto difícil de pôr em imagem.

Pedrita
Sem dúvida, Hawthorne deu uma força a esta personagem feminina que é difícil de ver num escritor masculino e até por aí esta obra prova a genialidade do autor.

Bárbara Ferreira disse...

Li este há já mais de dez anos e, na altura, gostei bastante. Tenho curiosidade para ler mais do autor, um dia.

Carlos Faria disse...

Os contos são moralizadores e muito bons.

Kelly Oliveira Barbosa disse...

Oi Carlos! Gostei da resenha. Fiquei super interessada no livro e no autor.

Abs.

Carlos Faria disse...

Kelly
Gosto muito dos contos, mas este livro é de facto uma obra profunda que dá muito que pensar, uma dualidade em choque permanente de crime e castigo, acusados e acusadores. Apesar de Hawthorne favorecer a tolerância, ele não inocente a prática do mal. Vale a pena ler