Páginas

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Dinossauro Excelentíssimo de José Cardoso Pires

Citações
"Na Comarca dos Doutores onde se via pobreza devia ler-se modéstia"

Acabei de ler a pequena obra de José Cardoso Pires "Dinossauro Excelentíssimo" escrito entre 1969 e 71 como uma fábula satírica ao ditador Oliveira Salazar que desde o original tinha um conjunto de desenhos a representar o texto e curiosamente o livro passou pela censura e até serviu de argumento de que havia liberdade de imprensa no Portugal então.
A obra pretende ser um conto narrado a uma criança: Ritinha, nele se fala do nascimento de uma criança de família humilde em meio rural cujos senhores da terra discutiam o seu futuro, tendo os pais conduzido-a à Universidade na Cidade dos Doutores deste país onde o povo era mexilhão ignorante que sofria às mãos dos DêErre. Depois com o Estado caótico os Conselheiros DR vão buscá-lo para gerir o País e este cria uma revolução das palavras, fecha-se na sua torre onde doutrina com aplausos os mexilhões que dão graças à sua pobreza defronte da sua Estátua que mostra aquele poder estático, enquanto os Conselheiros aplicam as leis emanadas por este Dinossauro e asseguram a sua idolatria, um Mestre tão isolado em sofrimento pelos seus mexilhões... até que um acidente fará que haja um líder que  pensa governar quando na realidade os Conselheiros criaram um executivo paralelo e com a ideia que tão Excelentissíma pessoa ainda dirige estes mexilhões. 
O texto imensamente divertido está cheio de referências metafóricas e satíricas dos honrosos elogios ocos dados a Salazar e ao regime, muitas vezes com paráfrases e excertos de provérbios e ditos populares que insinuam a verdade oculta e denunciam a realidade do Portugal miserável e ignorante de então, através do recurso a uma escrita criativa que trabalha de uma forma magistral as palavras, a pontuação e a forma de impressão na obra decompondo e metamorfoseando estes aspetos de modo a insinuar problemas reais sem os dizer.
Lendo este livro não compreendo como esta fábula satírica ou paródia à ditadura passou o crivo da censura, a verdade é que José Cardoso Pires com os seus romances abriu horizontes literários em Portugal e foi através dele que me reconciliei com literatura que se fazia neste País nas décadas de 1960 e 70 e foi com ele que saltei dos simples livros de entretenimento policiais e fáceis para obras mais profundas e ricas. Dinossauro Excelentíssimo mostra bem o valor, a imaginação e a frescura deste escritor que me cativou que há anos não lia, um excelente e divertido livro melhor compreendido para quem sabe a história da ditadura do Estado Novo e sobretudo os seus anos finais.

4 comentários:

Pedrita disse...

não conhecia, fiquei curiosa. realmente tem momentos que não entendemos pq a censura persegue um e não persegue outro. mas aqui no brasil falam muito da burrice dos censores. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

O Delfim é considerada a sua obra mais marcante, mas não foi a que mais me cativou. Alexandra Alpha começa no Rio e desmembrou-me desde o início e foi escrita em democracia. De profundis Valsa lenta ele descreve na primeira pessoa o que foi foi a sua experiência de um acidente cardiovascular AVC, vale pela escrita e pelo facto real e é pequeno. Este será mais interessante para portugueses.

Maria disse...

Olá Carlos,
este é realmente muito divertido e não se compreende como passou.
Já li vários livros dele e o De Profundis Valsa Lenta está entre os meus preferidos.
Cardoso Pires também era um excelente contista.

Carlos Faria disse...

Maria
Nunca li contos dele, mas Valsa Lenta também me marcou e num estilo diferente Alexandra Alpha, claro O Delfim foi uma pedrada no charco que para mim vale sobretudo como isso.