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quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Coelho em Paz de John Updike

Excerto
"Estou velho de mais para me renovar."

Terminei o último volume desta tetralogia de John Updike: "Coelho em Paz", também vencedor do prémio Pulitzer para ficção. À semelhança de cada romance anterior a sequência entre eles corresponde ao salto de uma década, agora está-se no ano de 1988, na transição de Reagan para Bush(pai), em plena perestroika, declínio do domínio soviético, ascensão do terrorismo árabe e a SIDA (aids) é uma epidemia que marca toda a sociedade. Harry já é avô, tem agora 56 anos, sofre de graves problemas cardíacos, o seu estatuto social leva-o a ter um condomínio na Florida para o inverno, delegou a gestão do seu stand automóvel no filho, Nelson, sente-se atraído pela nora, enquanto a sua mulher permanece com espírito jovem e empreendedor. Apesar das disfunções da idade e da doença, os hábitos e defeitos de Coelho mantém-se e a sua má relação com Nelson persiste na desconfiança mútua e ressentimentos, mas encanta-se com os netos.
Provavelmente com o objetivo de pôr termo à tetralogia, Updike coloca este cinquentão com tiques de um septuagenário. As imensas memórias do passado permitem narrar a evolução dos costumes e do urbanismo nos EUA e talvez sejam estas recordações as partes mais profundas e trabalhadas do livro. O facto de o ter envelhecido antes da idade e doente permitiu manter os desejos sexuais num corpo com limitações físicas ainda com o peso do desejo no seu comportamento. Coelho deixa-se arrastar por uma relação que evidencia a falta de valores éticos de quem se deixa levar pelo instinto. Igualmente o choque de gerações é agudizado pela toxicodependência de Nelson que leva a uma situação insustentável na família e serve para expor situações de preconceito, a não reconversão das pessoas na velhice embora volúveis ao amor avô-netos.
Este volume e o primeiro foram os que mais gostei, apesar das questões de sexo serem em todos tratadas sem tabus de pensamentos e atos e tal levar a uma linguagem grosseira no texto se recato, a exposição das fragilidades da velhice, o amor aos netos, a casmurrice de quem arca com muitas memórias e se vê no ocaso da vida e o retrato da evolução social de 40 anos nos EUA dão a este romance muita ternura e interesse. Até consegui simpatizar com este Coelho: um cidadão que teve sonhos elevados quando estrela de basquetebol na juventude que se tornou numa pessoa banal e cheia de complexos, mas atado aos desejos sexuais e incorrigível, apesar de ver os defeitos de todos os outros, ele foi um homem comum insatisfeito que procurou o amor sem o saber dar ou receber.

2 comentários:

Pedrita disse...

eu tinha vontade de ler, depois das suas resenhas então. estou lendo dois livros. andando e adorando, mas devagar. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Pois estou curioso sobre as impressões deixadas por Atwood.
Esta tetralogia tem passagens que gostei mesmo muito, outras nem tanto e confesso gosto de um pouco de pudor na literatura, embora seja evidente que a obra evidencia bem o peso da sexualidade no comportamento das pessoas e a cultura também deve tratar isso.