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terça-feira, 6 de setembro de 2022

"Homens Bons" de Arturo Pérez-Reverte

 

Citação

"Uma biblioteca não é algo para ler, mas sim uma companhia - disse ele, ... Um remédio e um consolo."

Em pouco tempo regressei a este escritor espanhol: Arturo Pérez-Reverte, agora com uma obra que quando foi traduzida logo quis ler: "Homens Bons", por ser um romance que fala da importância dos livros e de pessoas que lutam pela sobrevivência e propagação de livros. Neste caso, a aquisição, no século XVIII, pela Real Academia Espanhola, da primeira edição da Enciclopédia de Diderot e d'Alembert, uma coletânea de saberes que é um marco da época das luzes e considerada subversiva pela Inquisição ao dar prioridade à verdade científica e à razão nos seus artigos em detrimento da Bíblia e diretrizes religiosas como era regra até então.

Dois membros da Real Academia Espanhola são nomeados para irem de Madrid a Paris comprar a primeira edição de Enciclopédia Francesa, então o expoente máximo da época das luzes, mas ignoram que outros dois membros, em segredo, um jornalista por conservadorismo doentio e outro filósofo medíocre por inveja do reconhecimento do saber de outros, conspiram para que a viagem não concretize este objetivo. Pedro Zárate e Hermógenes Molina, duas pessoas muito diferentes mas amantes do saber, no meio de dificuldades arrancam na sua atribulada deslocação sem perceberem que alguém os segue e conspira. Na cidade das luzes os protagonistas descobrem um mundo diferente, grandes nomes das ciências e cultura, como o próprio Diderot, além de outros sábios e amigos de Voltaire e Rousseau, bem como um abade revoltado contra a ignorância que a igreja impõe e o despotismo da elite absolutista que escraviza a população, encontramos também uma dama que domina a vida social da cidade, o que permite pôr a nu uma capital de contrastes, vícios e onde nem tudo é razão e luz.

Pérez-Reverte vai romanceando esta viagem histórica verídica, intercalando textos de como investigou e encenou os principais episódios do livro e narrando as entrevistas que realizou, referenciando os livros que leu. Monta assim uma série de textos que ora são o desenrolar do romance, ora são o trabalho do escritor, mas, à semelhança de Proust na sua obra-prima, aqui o autor também não é exatamente o escritor, uma série de pormenores, como a referência aos seus livros torna evidente que também este autor é uma personagem ficcionada, um alter-ego que não é exatamente Pérez-Reverte.

O conjunto do romance permite fazer um retrato da época, mostrar a realidade que então se vivia numa Espanha conservadora, dominada pela Inquisição e com um rei que queria mudar o estado das coisas sem conseguir sempre sobrepor-se aos poderes instalados. Assistimos ao ambiente explosivo que se vivia então em Paris, cheia de contradições em choque que prenunciavam não só a revolução francesa, mas também a chacina a ela associada  cujas ideias que marcam as luzes e a razão não previram.

Um romance que não só ensina como foi aquela época tão marcante no século XVIII, como cultiva o amor pelos livros, o saber e apela ao fim da ignorância baseada no misticismo sempre em luta com a verdade resultante da ciência.

7 comentários:

Pedrita disse...

fui ver já vi dois filmes baseados em suas obras. preciso ficar atenta e tentar adquirir algum. beijos, pedrita
https://mataharie007.blogspot.com/search?q=reverte

Carlos Faria disse...

Rainha do Sul é um dos bons livros dele que virou a filme, embora os filmes tendam a servir-se das suas obras mais emocionantes do que das mais profundas dele e consideradas de melhor qualidade

Joaquim Ramos disse...

Deste autor só tenho O Clube Dumas há já muito tempo, mas ainda não o li, porque involuntariamente vi o filme (que tem outra tradução) primeiro e desiludiu-me um pouco. Raramente vejo um filme antes do livro porque a imagem visual é demasiado forte e depois quando vou ler o livro só me lembro do filme. Por acaso agora que falo nisso só me lembro de três filmes que gostei tanto como dos livros, embora com adaptação um pouco diferente, foi As pontes de Madison County, O Segredo dos seus olhos e As dez figuras negras (And then there were none).
O Carlos já leu O Clube Dumas?

Carlos Faria disse...

Sim, li. Um género bem diferente desta obra, onde domina o suspense algo negro, algo que Reverte também domina bem, como o faz também na Tábua da Flandres e em Francoatirador Paciente.
A Rainha do Sul é um estilo de romance com narcotráfico mais realista e este é uma obra histórica baseada em factos reais mas com a liberdade da ficção, duas obras literariamente mais ricas, onde a escrita e o retrato social dominam em detrimento do suspense. Reverte é mesmo um escritor versátil, neste fala de Javier Marías que ontem nos deixou e onde é evidente a sua grande admiração por este génio da literatura espanhola.

João Soares disse...

Um excelente escritor!
Sim, os filmes dependem de muitas variáveis, sobretudo da orientação/visão do realizador e da produção. Melhor sempre ler primeiro a obra.
Um abraço

Carlos Faria disse...

Concordo que a leitura de um livro é, por norma, mais rica de conteúdo que as adaptações cinematográficas, além de que durante a leitura o próprio leitor coloca muito de si na obra como reflexões pessoais e imaginação com tempo de digestão que num filme dificilmente consegue durante a sua visualização.
Gosto muito deste autor, apesar da sua versatilidade

Pedrita disse...

eu já vi filmes melhores q os livros e vice-versa. acho q são artes diferentes. falei de livro no meu blog.