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quarta-feira, 24 de novembro de 2021

"A Irmã de Freud" de Goce Smilevski

 

Acabei de ler o romance premiado com o prémio de Literatura da União Europeia em 2010 e escrito por Goce Smilevski da Macedónia "A irmã de Freud".

O livro ficciona as memórias de Adolfine, irmã do psicanalista Sigmund Freud, a única que não se casou e teve problemas de adaptação social e psicológicos. No início da obra, vemos que Freud quando escapou do regime nazi em Viena e partiu para Londres, viagem assegurada por corredores diplomáticos, excluiu da sua comitiva de pessoas a salvar as suas irmãs, tendo estes familiares morrido nos campos de extermínio.

Adolfine, que tivera um relacionamento na infância muito próximo e intenso com Sigmund, vai então recordar toda a sua vida desde a criança até à câmara de gás: descobrimos a hostilidade da mãe por ela ser diferente; lemos uma paixão secreta com um infeliz adotado; partilhamos a amizade com a ativista feminista Klara Klimt, irmã do pintor com o mesmo apelido e perseguida socialmente; a apercebemo-nos dos comportamentos disfuncionais e sofrimentos na família Freud; compreendo-mos o refúgio da protagonista numa clínica psiquiátrica com Klara; e vmos ainda nos surpreender com o encontro no campo de concentração com uma irmã de Kafka. Sendo um romance não sei exatamente onde começam os factos e entramos no mundo ficcionado.

Toda a obra é um desfile filosófico sobre questões das origens e das necessidades psicológicas da crença, se esta cobre a necessidade humana de justiça num mundo injusto, se o comportamento social e individual é para fundamentar o fim da vida ou dos traumas do inconsciente, sobre o que é a normalidade e a loucura e as razões desta, bem como muito do pensamento de Freud que, apesar de ser o pai da teoria da psicanálise moderna, é alguém cheio de falhas e de comportamentos disfuncionais dos quais Adolfine terá sido uma vítima e não uma louca, mas sim um exemplo de racionalidade que questiona Sigmund.

O texto é todo ele um poema permanente, mas atravessado constantemente pela tristeza, solidão e as incertezas das razões de se viver neste mundo. As descrições do comportamento na clínica psiquiátrica e do que é a loucura, bem como a permanente insatisfação de Adolfine neste mundo disfuncional e a definição do que será a morte estão cheias de beleza, aliás, esta última é o consolo da vida segundo o livro. Freud não fica bem no romance e as personagens normais parecem bem inferiores do que a inadaptada e infeliz Adolfine.

Gostei do livro, da escrita e das inúmeras questões levantadas... mas não deixa de ser uma obra cuja leitura  transporta uma beleza que dói ao leitor.

7 comentários:

Pedrita disse...

não conhecia, parece instigante. bela capa. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Um livro cheio de poesia na escrita a fazer interrogações através da memória de uma vida sofrida

Kelly Oliveira Barbosa disse...

Nossa que romance interessante. Gostei muito da resenha.

Joaquim Ramos disse...

Parece ser interessante.
Aproveitava para perguntar se já leu e se gostou do livro de Margaret Atwood, Alias Grace. Boa noite.

Carlos Faria disse...

Kelly
Um amigo meu disse-me que no Brasil só estava disponível em ebook, não sei se tradução portuguesa ou brasileira-

Carlos Faria disse...

Joaquim
Uma obra forte, mesmo triste.
Sim, Já li há muitos anos Alias Grace, baseado numa história real e de uma potencial criminosa. Então gostei.

Kelly Oliveira Barbosa disse...

Pois queria ter acesso a essas edições portuguesas.