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terça-feira, 28 de abril de 2020

"Um Bailarino da Batalha" de Hélia Correia


Excerto
«Tens a certeza? A Europa não nos quer?»
«Não quer, voltem para trás.»
...
«Para trás não há nada», retorquiu.
O guarda disse:
«Para a frente, também não.»

O romance "Um Bailarino na Batalha" de Hélia Correia, vencedor do prémio Associação Portuguesa de Escritores de 2018 e escrito por quem já ganhou numerosos galardões, como o importante o Prémio Camões em 2015, despertou-me receio e interesse; o primeiro ponto porque tenho tido desilusões com obras nacionais premiados, mas Hélia Correia brilha demais para as editora se dignarem premiá-la para a promoverem comercialmente; e o interesse por o tema atual dos refugiados que tentam entrar na União Europeia e retidos na fronteira (não acontece apenas nos EUA) é um assunto doloroso para alimentar o prazer da leitura.
Esta novela (pouco mais de 100 páginas) não retrata a realidade, é um texto poético com personagens que dão voz e pinceladas estilizadas a várias facetas do problema da caminhada de um grupo de refugiados da guerra no médio oriente em direção a "uma terra pecadora, mas rica e generosa". Temos uma série de postais que cruzam uma ex-guerrilheira grávida e mãe que foge e despreza o traidor que denunciou outros e partilha a fuga, e alia-se a uma mulher que perdeu os homens da família que vai para proteger o neto perante a desconfiança da nora, heroínas que desobedecem e tiram a máscara e mostram o rosto para ofensa dos homens que as cobiçam. Temos um rapaz fraco e cobarde que quer mostrar-se forte e homem. Há um velho abandonado e cego que cheira o que vão encontrar em frente e é adotado pelo traidor de confiança. Crianças órfãs na sua inocência tornam-se capazes ver ao longe e liderar a palavra mas carentes de adotação. Há quem fique no caminho, invejosos e a fronteira da Europa que barra o caminho e lhes dá jaulas. Além desta oferecem trabalhos animais que os acolhedores não aceitariam mas que sem pudor escravizam acolhidos e rejeitam a subserviência das mulheres. Temos guerrilheiros a arregimentar novos soldados entre quem foge à guerra e sobre tudo isto unido pela poesia em prosa.
A obra não toma um partido, a arte poética sabe denunciar e as superiores não precisam de ser juízes, basta agitar consciências com beleza e é o que faz este livro com vítimas perdidas neste limbo, uma das tragédia humana em que a Europa está envolvida. Uma escrita bela para se admirar, a narrar o feio de se conhecer.

2 comentários:

Pedrita disse...

não conhecia o autor. não gostei nada da capa. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Não li a capa, mas Hélia Correia é uma das escritoras que mais brilha na língua portuguesa, mesmo não sendo das mais populares. Esta obra também não deve ser um best sellers