Páginas

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

"Solaris" de Stanislaw Lem

Excertos
"Seria possível a existência de pensamento sem consciência?"

"-E como é que tu sabes quem és?"

Acabei de ler o romance de 1960 "Solaris" do género de ficção-científica e escrito pelo polaco Stanislaw Lem, que é em simultâneo uma obra de análise filosófica sobre a questão da individualidade, da identidade pessoal, da necessidade de comunicação humana, da inteligência e até da questão de Deus. Um livro considerado de culto neste campo literário, pela sua qualidade e profundidade de análise, complementada com um drama romântico que já deu origem a dois filmes, um em 1972 e outro em 2002.
Kelvin, um psiquiatra, é mandado da Terra à estação sobre o planeta Solaris que orbita em torno de dois sóis, devido a preocupações narradas por um cientista ali estabelecido e antigo professor do médico.
Chegado ao destino, Kelvin é recebido com frieza e medo por um tripulante, sabe da morte do professor e que o outro investigador se está a isolar. Algo de estranho ocorre ali e afeta a mente de todos. Kelvin relê os dados e recolhidos ao longo de décadas e respetivas teorias sobre Solaris. Este é um astro coberto por um extenso oceano rico em matéria orgânica que já foi classificado como um ser vivo e com o qual se tenta infrutiferamente comunicar, embora este até controle características do planeta: será dotado de consciência? Após dormir Kelvin vê-se confrontado pela visita da sua mulher que se suicidara 10 anos antes e em conversa com a restante tripulação percebe que o oceano lhes lê as mentes e as controla, recriando as pessoas que os assombram, mas estas não são iguais aos humanos em termos moleculares, nem são destruíveis pelos terrestres, a situação entra em confronto com a memória e consciência destes que são incapazes de comunicar com o torturador. Kelvin tenta corrigir a sua culpa na morte da ex-mulher perante esta réplica e a tensão entre sentimentos, consciência, identidade, memória, vontade e ciência irá num conflito que coloca em questão princípios da humanidade.
A escrita de Lem é cuidada e algumas das passagens são muito filosóficas e difíceis, havendo outras muito descritivas, embora a história seja alimentada com diálogos fáceis brilhantemente elaborados que põe a nu as questões levantadas. Assim, está-se perante uma obra complexa, densa e não numa mera aventura no espaço típica de muita ficção pseudocientífica comercial.
Raramente após a leitura de um romance vou procurar os filmes na internet, mas neste caso a riqueza dos pormenores no texto levaram-me a tal, embora os filmes sejam bons, seguem o mais fácil, sem aprofundar as descrições dos fenómenos oceanográficos e muita filosofia do livro. Este, apesar de partes difíceis, gostei muito.

Solaris pelo realizador Tarkovski em 1972



7 comentários:

Pedrita disse...

eu leio pouco ficção científica. esse foi um que sempre quis ler. eu vi dois filmes sobre esse texto. os dois ótimos embora bem diferentes. beijos, pedrita

Maria disse...

Sempre quis ler este livro, mas nunca consegui.
Obrigada por o trazer aqui :)
Vi o filme do Tarkovski nos anos 70, no cinema (como estes filmes devem ser vistos) e ainda me lembro da curiosidade que me despertou (tal como o 2001 do Kubrick);
Nunca cheguei a ver a versão do Soderbergh, com o Georges Clooney.
Agora ao ler a sua belíssima recensão, fiquei com uma enorme vontade de ler o livro e ver os dois filmes, para comparar; por agora é missão impossível, talvez em 2020...

Boa tarde, Carlos.
🎄

Carlos Faria disse...

Pedrita
Não sou um grande leitor de livros de ficção-científica, em relação ao futuro sou mais atraído por obras distópicas sobre o evoluir da nossa civilização, mas este é um grande livro cheio de interrogações filosóficas, os filmes vão mais pela vertente das questões sentimentais versus consciência de erros no passado.

Maria
Apesar de algumas páginas difíceis, vale bem a pena ler esta obra, bem mais rica que qualquer um dos dois filmes sobre o romance.

Kelly Oliveira Barbosa disse...

Oi Carlos. Não sou fã do gênero ficção científica, mas achei interessante seus comentários sobre esse livro. Me pareceu ser de difícil leitura ainda que compensadora.

Kelly Oliveira Barbosa disse...

Ah, e eu também sou assim: raramente procuro os filmes dos livros que leio, sempre acho que vão estragar o imaginário criado em minha mente.

Carlos Faria disse...

Olá Kelly
Este livro tem páginas que extensos diálogos e discussões sobre científicas e o facto e a ideia de se amar uma réplica é igual a amar a pessoa que morreu que geram um drama psicológicos, filosófico e romântico muito fácil de ler e muito original.
Depois tem duas ou três capítulos onde há descrições: 1. científicas sobre Solaris que para alguns pode ser difícil mas que eu adorei, 2. descrições sobre fenómenos sobre o mar de solaris/ser vivo que são muito ricas e densas, que colocam a imaginação do leitor a funcionar mas que são extensas e como tal podem cansar e se a pessoa não for imaginativa devem ser muito difíceis de seguir, 3. Há partes que são reflexões psicológicas e filosóficas, nunca muito extensas que são muito importantes na obra, mas que podem ser difíceis para leitores passivos, penso que a Kelly seguiria bem este pormenor, mas eu escrevo inclusive para gente que apenas lê como entretenimento e estes não estão habituados a isto.
Os filmes quase se limitam à parte fácil e quando os busquei foi para ver como recriaram a parte que numerei como 2 e ele fugiram a isso.

Kelly Oliveira Barbosa disse...

Muito obrigada por esclarecer... fiquei mais interessada ainda no livro.