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domingo, 13 de outubro de 2019

"Autobiografia" de José Luís Peixoto

Excerto
"... os segredos sem alguém que os guarde são o desconhecido."
"Muitas vezes , os outros não nos deixam mudar porque não estão dispostos a mudar a forma como nos veem, fazê-lo  implicaria que eles próprios mudassem."

Já foram muitos os livros que li do atual escritor Português José Luís Peixoto (JLP). Aliás, foi com ele que despertei para a literatura que se ia fazendo neste País no início do século XXI pelas novas gerações, logo, sempre que leio quem já tanto me impressionou qualquer nova leitura arranca numa perspetiva elevada. "Autobiografia", tão divulgado e cheio de elogios críticos nos OCS, obriga-me a que a minha apreciação a este livro tenha de ser liberta de ambos efeitos.
"Autobiografia" recentemente publicado passa-se em 1997/98 quando José, um jovem com vontade de se tornar num bom escritor, com apenas o seu primeiro romance publicado, pretende escrever o segundo e se vê perante a encomenda de fazer uma biografia ficcionada do já reconhecido autor José Saramago e com este entra em contacto para levar a cabo esse trabalho. Paralelamente, Saramago não só lê em segredo o único livro de José como revê nele as suas angústias e potencialidades de iniciante na arte literária no começo da carreira. Decide então ajudá-lo sem José se aperceber, até porque este também está a lutar com vícios privados que o conduz a situações extremadas e uma relação amorosa  que perturbam a sua perceção da realidade.
A partir destes temas JLP constrói uma teia de textos que intercalam pura ficção, apresentação de aspetos reais da vida de Saramago até à atribuição do prémio Nobel e ainda reconstruções imaginadas do passado deste, a que mistura o dia-a-dia da personagem José e das pessoas à sua volta, família, amante e amigos, bem como excertos do seu trabalho biográfico e descrição dos contactos dele com o escritor. Deduz-se a integração e recriações das memórias do verdadeiro intercâmbio ocorrido entre Saramago e JLP, em parte associado à atribuição do prémio Saramago a este, então um jovem escritor e recebido pelo seu segundo romance.
Assim, este livro com influências pós-modernas de fusão da ficção com a realidade, a inclusão de notas de rodapé do protagonista sobre o texto que estaria a escrever, a menção de obras importantes de Saramago e uma escrita criativa que mistura estilos distintos para expor realidades diferentes e ainda com a própria forma de escrever de JLP, que no presente já não consegue me surpreender como nos seus primeiros livros. Tudo isto gera um jogo de espelhos da admiração de JLP a Saramago e o respeito deste àquele demonstrado quando da aproximação entre os dois, a que acresce as angústias de um escritor enquanto jovem versus a maturidade do idoso reconhecido já como mestre.
Nem sempre leitura é fácil, não só porque este jogo de espelhos nem sempre é evidente no início de cada parágrafo, como também os saltos no tempo e entre a realidade e a ficção levam a que o leitor se possa perder ou estranhar o teor da narrativa numa escrita que não perde a criatividade e poesia na diferentes formas. Gostei e para quem gosta dos dois escritores por trás desta obra ou queira conhecer as dificuldades desta carreira recomendo este romance, cheio de particularidade e originalidades.

2 comentários:

Pedrita disse...

nossa, e eu não li nada dele. preciso me atualizar. finalmente falei de livro no meu blog. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

É talvez um dos três escritores mais lidos da geração que apareceu no século XXI em Portugal, já gostei mais dele. A maioria dos romances tem um tom deprimente, sendo o mais pesado "Uma casa na escuridão" uma alegoria muito negra. Para iniciar eu recomendo mesmo o vencedor do prémio Saramago "Nenhum Olhar". "Morreste-me" o primeiro, uma homenagem ao pai dele então falecido também é uma boa iniciação.
Entre os mais aclamados está Galveias, mas não li.