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terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

"Os Navios da Noite" de João de Melo

Citações
"O pior de todos os cegos  será sempre aquele que, podendo olhar a luz e a beleza encantada do dia, só quer ver a noite do mundo, o fundo escuro das águas, os abismos invisíveis do mar."

"Não existe nenhum tempo fora daquele que vivemos; nem um destino diferente do nosso."

Já há várias décadas que não regressava a João de Melo, talvez o escritor açoriano vivo de maior projeção literária. Antes, lera-o em magníficos romances de seu quase início de carreira e, agora, voltei a ele num outro género em que ele muito publicou: contos; com um livro recente já em estado adiantado do seu longo currículo literário "Os Navios da Noite".
O livro contém 18 contos, metade não muito curtos, onde a memória de acontecimentos sofridos pelos protagonistas das histórias deixaram memórias e marcas como navios.
Há muito que não lia João de Melo, notei, pelo menos em relação entre as obras lidas, uma evolução na escrita, agora parece-me mais simples e realista, antes sentia uma auréola barroca e rebuscada de que não desgostava, mas são ambas elegantes e poéticas.
João de Melo nalguns destes navios aparece desiludido com Portugal e os Portugueses, é quase um misantropo nacional, provavelmente fruto da crise que o País atravessava quando a escrita da obra escrita, embora o conto da prisão do Governo e Presidente por venda do País em prejuízo do Povo tenha ironia inteligente e bom humor.
Noutros contos há ternura ou amargura em tom de reflexão individual, nestes, por vezes, parece existir um desequilíbrio entre a dimensão da narrativa, o tempo para o seu desenvolvimento e o despertar do interesse para o seu conteúdo.
Assim, houve contos que gostei, como o do cego na minha ilha do Faial, o das reflexões sobre o Génio de Aladino, os de ternura familiar e o do regresso de Eça de Queirós a Lisboa, embora a mordacidade dele surja mais amarga em João de Melo do que no do século XIX, mas de outros contos que gostei menos e até houve alguns que até me desagradaram. Valeu pela visita ao autor por ter ficado a curiosidade de verificar como envelheceu nos romances mais recentes e compará-lo com um dos primeiros reeditado e reescrito que me falta ler.

4 comentários:

Pedrita disse...

que capa linda. nunca li nada desse autor. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

A recomendar e a existirem no Brasil, "Gente Feliz com Lágrimas" e "O meu mundo não é deste reino" são as suas obras mais premiadas e conhecidas em Portugal.
Como escritor já com um grande curriculum e bibliografia não está na onda da nova geração que as editoras publicitam como geniais até à exaustão em detrimento de outros mais velhos e com provas dadas como João de Melo.

Kelly Oliveira Barbosa disse...

Olá Carlos,

Gostei da citação:
"O pior de todos os cegos será sempre aquele que, podendo olhar a luz e a beleza encantada do dia, só quer ver a noite do mundo, o fundo escuro das águas, os abismos invisíveis do mar."

Aliás me agrada esses inícios de resenhas sempre com citações dos autores, dá para se ter uma ideia da escrita.

Abs.

Carlos Faria disse...

Extraí do conto que mais gostei no livro, curiosamente passado na minha ilha e um dos pequeninos desta coletânea, mas foi o conteúdo mesmo que me encantou e esta frase encerra a conclusão do mesmo.