Páginas

segunda-feira, 2 de julho de 2007

PATRIMÓNIO CONSTRUÍDO EM RUÍNA - BAGATELLE

Após o bom exemplo do Palacete de Sant'Ana, eis um dos piores casos de degradação do património construído no Faial, não único.
O abandono a que foi votada a Bagatelle, a primeira casa construída pela Família Dabney na Horta.
Aqui foi rodada grande parte da série da RTP, realizada por Zeca Medeiros, "Mau tempo no Canal" e o filme austríaco "A Casa da Rosalina".

Na foto, o que se vêem não são plantas do jardim, são as trepadeiras e outras invasoras que tomaram de assalto a entrada principal.

Os Dabney estabeleceram-se na ilha do Faial no início do século XIX, como consul dos EUA e ficaram quase 90 anos por cá. Integraram no comércio internacional: o vinho então produzido no Pico, os produtos locais da caça à baleia e a laranjas. Construiram um vasto património desde residências, casas de campo, praia ou de férias e impulsionaram a economia da zona. A sua vida está relatada nos Anais dos Dabney, constituída por 3 volumes já traduzidos em português.


A Bagatelle vista de uma rua da Horta, já com um telhado descaracterizado e em parte colapsado

A Bagatelle mais tarde transitou para a família Medeiros, tio avô do músico António Victorino d'Almeida, onde o médico Campos instalou o seu consultório e criou uma vasta biblioteca nas áreas do seu interesse.
A Rosalina de Medeiros foi uma das pessoas mais castiças da Horta, pela sua cultura e força de viver e a última residente daquela moradia e faleceu à cerca de uma década como nonagenária.
Hoje, mercê da especulação e abandono dos seus actuais proprietários, entre outros motivos, a Bagatelle está a degradar-se aceleradamente, bem como parte do seu riquíssimo recheio, é ainda um local de invasões clandestinas nocturnas para fins diversos.
Assim, ponho aqui à discussão um grande problema nacional: como preservar o importante património construído, existente na em Portugal, pertencente a particulares e em degradação, muitas vezes intencional?

Sei que poucos se pronunciarão, o tema é difícil, move interesses particulares e hoje parece novamente arriscado emitir opinião ou criticar, mas o desafio fica lançado a todos os que se dizem amantes do património português. Mas mais importante que acusar, importa discutir o problema e sugerir eventuais soluções.

9 comentários:

Anónimo disse...

Problema muito importante, pelo qual me interesso de há muito.
No caso concreto dos Açores, é quase aberrante a situação, porque infelizmente, não há assim tantos edifícios que justifiquem qualquer desleixo por parte das autoridades.
Sim, porque são estas que podem e devem resolver estes casos.
As novas gerações olham para as ruinas e entendem que se deve deitar abaixo. Os mais velhos contemplam com nostalgia e pena.
Quando se gastam (diferente de investem) tantos milhões...não há quem salve o Património.
Já disse muitas vezes que quem não conserva a sua História, não tem presente e dificilmente terá futuro.
Acima dos interesses especulativos, está o dos povos, e são os Governos, por estes eleitos, quem tem obrigação de velar por este importante aspecto.
Para isso, há que aumentar a percentagem do Orçamento que sempre cabe à Cultura, e que é escasso. Há que perceber os intuitos, nem sempre claros, da construção civil...e barrar-lhes os caminhos.
Só que para isso ser feito...têm de acabar, definitivamente, benesses e quejandos (alguns dos quais bem mais graves...)para quem decide ou pode decidir.
Faço-me entender, não é?

Anónimo disse...

Tens toda a razão, é uma vergonha o que se passa com a Bagatelle! Há muito que a Região ou o Município se deveriam ter interessado por este património. Em tempos (início da década de 90) houve um "projecto" que visava a utilização da Bagatelle para fins culturais, mas mais uma vez o provincianismo venceu os desafios maiores. Aliás, tirando algumas honrosas excepções - de que os "Anais" são um bom exemplo -, o abandono e a negligência aplicam-se à generalidade do legado humano e físico da família Dabney. Mas lamentar a situação actual de nada serve, e não me parece descabido (pelo contrário) que sejamos nós, cidadãos, a desencadear um processo de intervenção com vista à recuperação da Bagatella.

Anónimo disse...

Por lapso, não me identifiquei... O "anónimo" anterior sou eu - Renata

Carlos Faria disse...

Como esperava poucos comentários:
Considero que estas situações resultam da combinação de interesses económicos privados (pois o tema foi lançado ao património construído privado), desinteresse geral da população (incapaz de valorizar o que está à sua volta, por ignorância e o habitual complexo de inferioridade nacional) e oportunismo de políticos (acredito que não todos)que mantém a lacuna legal para se desculparem e se atirarem a outros "investimentos" mais vantajosos.
Será que, num país que reconhece a necessidade do imposto sucessório e de mais-valias e que aceita como legal que os bancos tirem dividendos de simples operações que os cidadão fazem com o seu dinheiro, não consegue criar uma lei que impeça que herdeiros especulem sobre bens patrimoniais de interesse histórico-cultural que lhes vieram parar às mãos?
Será que o povo alguma vez se preocupou em que os políticos criassem mecanismos para impedir situações destas?
Na situação actual é a nossa geração que permite que o legado patrimonial deixado para o futuro seja pior do que aquele que recebemos.
Mas só fazendo com que o problema assuma proporções de interesse público é que quem tem competência de implementar medidas concretas para a sua resolução as fará surgir.

Anónimo disse...

Uma hipótese e um exemplo de uma forma como o Estado pode intervir, é o que se fez, bem ou mal, com a Colónia Alemã. Porque não isso em vez de se construir de raiz coisas de mau gosto e mal planeadas para alojar serviços do Estado?

Carlos Faria disse...

O que a Ana Rita diz é verdade, mas talvez não tenhamos necessidade de criar tantos Serviços quanto imóveis com valor patrimonial a preservar, mas é um caminho também a aproveitar

Anónimo disse...

Fala-se da Bagatelle e o Palacete do Pilar onde Dom Carlos e D. Amélia pernoitaram. E, já agora quem permitiu a construção, mesmo por detrás de um enorme pedaço de betão. Não me parece que construir só por contruir seja inteligente, mas também o enquadramento paisagistico. Em outra sociedade aquilo, o betão seria demolido e o Palacete reconstruido ficando bem com a ermida do Pilar.

Anónimo disse...

Peço desculpa, pois já vou em clara desvantagem em relação às datas dos posts.

Perdão ainda se digo alguma asneira, sinto que ainda estou um pouco “verde” no assunto, mas o que me alarma, para além do caso da Bagatelle, é a actuação que não se pode ter face a estas situações de "combinação de interesses económicos privados": a Câmara simplesmente não consegue adquirir o imóvel porque os proprietários “pedem exorbitâncias”.

Estabeleceu-se um ponto final nesta situação e o resultado está à vista. Infelizmente, a verdade é que não há mesmo nada que se possa fazer directamente, a não ser obrigar à instituição de novas leis, bem como de uma nova atitude face ao abandono. Isso não justifica de todo o desinteresse da comunidade, e, arrisco dizer, a letargia é uma característica muito marcada da personalidade dos faialenses (arrisco, mas na verdade são palavras do presidente da CMH). No entanto, penso que posso dizer que começam a surgir pequenas atitudes de “revolução”. Tenho esperança que as novas gerações e a contribuição de pessoas com “um pouco mais de visão” e vontade de fazer desta região o que ela merece cooperem para um desenvolvimento razoável, pois a verdade é que a letargia sedimentada da maioria dos habitantes durante tantos anos, já tornada “modo de viver”, nunca pode dar lugar à progressão. (Espero um dia, num futuro próximo, que o meu trabalho possa ter repercussões positivas, pois é esse o objectivo para o qual centro o meu estudo).

Mas sem mais demoras, em relação a este caso específico, há muito que me interesso pelas “ruínas” do Faial e, como estudante de mestrado em Conservação e Reabilitação (e natural da Horta) tenciono fazer da Bagatelle o meu tema de tese. Merece ser estudada, tanto do ponto de vista histórico (associado aos Dabneys), como construtivo e artístico (materiais e desenho americanos), e não menos importante: num mundo ideal seria reabilitada, devolvida à cidade e, quem sabe, à comunidade. Não foi preciso aplicar-me muito para encontrar dificuldades. Não me é possível ter acesso aos desenhos técnicos e outros pormenores, sem referir o desinteresse dos proprietários. Mas a saga continua.

PS: penso que a região não sabe, mas o Património e Arquitectura nos Açores é extremamente divulgado e referido pelos estudiosos da área no continente. Não nos podemos esquecer que temos muito com que nos orgulhar, logo, muita responsabilidade em fazer um bom trabalho de continuidade.

Anónimo disse...

A Bagatele deve ser restaurada e o Palacete do Pilar também. Mas o betão consturído lá bem no alto por detrás do palacete do Pilar deve de lá desaparecer. Dever-se-ia valorizar o património e criar um circuito turístico que ligasse esses vários locais. Não me esqueço de uma noite em que destruiram às "escondidas" uma casa de quinta em frente à torre do relógio... É uma vergonha o que fazem. Que a câmara espropie e declare utilidade pública a esses edifícios. Sem medos!