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quarta-feira, 3 de junho de 2009

ARTES E OFÍCIOS EM EXTINÇÃO

Numa época em que tanto se fala de espécies da fauna e da flora natural dos Açores que estão em risco de extinção.

Num período em que se tem a certeza que as festas do Espírito Santo estão vivíssimas no coração do povo e propostas para classificação a Património Imaterial da Humanidade.

Um ofício que no passado existia em quase todas as freguesias dos Açores...

Um saber importantíssimo para a história da baleação, dignificado por Dias de Melo e um marco da cultura açoriana...

Calma e silenciosamente caminha a passos largos para a extinção...

Quantos restam?
Quantos sabem os segredos desta arte?
O que fazer perante a realidade actual nos Açores?

13 comentários:

amg disse...

um mal que (infelizmente) não é só açoreano, mas transversal em todas as localidades «à beira-mar plantadas» do nosso País.
Virámos costas ao Mar, apesar de avisos e alertas de algumas cabecinhas (realmente) pensantes e sensatas, para receber como cagarras, os subsídios da UE.
Acho que o vamos pagar bem caro no futuro.
Todo o trabalho de alargamento da nossa plataforma contineltal para as 300NM acaba por estar descoordenado e corre o risco de ruir pela base (que, em imho, são esta actividades deste tipo)
cumptos e parabéns pelo blog
amg

mb|Weblog disse...

É realmente pena que esta e outras artes possam vir a desaparecer no futuro.
Tenho um amigo que herdou do pai a arte de construir pequenos barcos e fá-lo apenas e só por gosto pela actividade e por amor ao mar.

Ma-nao disse...

Apesar de concordar que, no geral, cada vez menos pessoas se dedicam a estas artes (porque não permitem auferir, realmente, rendimentos condignos, e não apenas por simples desinteresse), penso que nem tudo é negativo (e também é preciso reconhecer o que se faz e não apenas o que não se faz): nos Açores existe o Projecto Baleiaçor, que já permitiu recuperar alguns botes baleeiros.
Este projecto não se limita à recuperação dos botes. Parece-me que até está bastante bem pensado: entre os botes e as lanchas (vertente de salvaguarda tanto do património como do saber-fazer e dos modos de vida), as regatas (vertentes turismo, desporto e juventude), a sustentabilidade (turismo desportivo, materiais naturais e tradicionais) e as actividades associadas (manufactura de velas, por exemplo), é um projecto bastante diversificado e completo, que une o turismo, o desporto e a ecologia à salvaguarda do património tradicional.
Agora sem dúvida que, na sociedade economicista em que vivemos, este tipo de actividade precisa de ser apoiada, porque não tem dinâmica interna suficiente para se manter por si.
Para quem quiser saber mais:
Projecto Baleiaçor - Centro de Conhecimento dos Açores, disponível na página - http://pg.azores.gov.pt/drac/cca/seccao.aspx?id=28

Grifo disse...

acho que a nossa "futura" associação se devia de encarregar da recolha desse saber em formato de documentário... assim como de tantos outros...

Carlos Faria disse...

ao amg
são duas vertentes diferentes sobre um mesmo tema: o mar.
aqui falei de um saber-fazer, segredos de construção de embarcações que correm o risco de desaparecer, pois os detentores dessa arte são cada vez menos e já idosos. no outro campo, é a gestão adequada à realidade dos nossos mares em detrimento de directrizes gerais vindas da UE, onde as particularidades do mar português não são respeitadas e ainda são subvertidas tendo em conta outros interesses que não o nosso. Mas em ambos os casos, o país está a perder.

ao mb|weblog
no caso desse teu amigo o que recomendo é que ele ensine.... ensine a todos os que quiserem saber, sobretudo aos mais novos e nem que seja por curiosidade... ensine mesmo que depois os aprendizes não se dediquem a construir barcos, mas o saber ficou e eles poden ensinar a outros para o futuro.

à mao nao
julgo que o bote em causa é filho do projecto baleiaçor. Mas o problema que levantei era o do património imaterial (que como sabes tenho em grande conta). Recuperam-se botes e ainda bem, mas é preciso que o saber destes construtores não se perca, senão teremos um museu com as obras e deixaremos de as saber fazer como eles sabiam. mesmo que se arranjem técnicas que copiem, o porquê e o fundo das questões perdeu-se. foi esse o alerta que deixei neste post. aliás divulgar o que se faz é uma das coisas que este blog faz. Mas lembra-te: recuperou-se os fornos de telha eu falei deles como um bom exemplo, mas não os sabemos usar... é para este tipo de casos que este post alerta. à outro que me toca profundamente por envolver a minha família, mas contar-te-ei pessoalmente e então compreenderás melhor a minha contínua preocupação com o património imaterial

ao grifo
certamente esse tipo de preocupações está dentro dos ideais associados à iniciativa lançada através do blog Horta XXI, que como sabes também participo, embora pouco até ao momento, tal como a ma-nao.

José Quintela Soares disse...

No Pico resta um...em Santo Amaro.

Carlos Faria disse...

Julgo que o homem da foto pertence à calheta do nesquim (ou ribeiras) e a foto tem poucos meses.

Miguel Valente disse...

Um dos problemas de manutenção do património material é que só é possível manter se existirem pessoas interessadas em aprender e manter esse património, tarefa que é bem mais complicada que recuperar ou manter património material. Concordo com a Ma-nao que o projecto baleia-açor é um bom princípio e estabelece as bases para a manutenção desse património, mas se não houver aprendizes a quem passar esses conhecimentos, os mesmos desaparecerão. É lamentável mas, se virmos bem as coisas, não é possível manter todo o património, e só em regimes totalitários é que se obriga alguém a seguir uma determinada profissão. Entre viver em liberdade e perderem-se conhecimentos por falta de interesse de aprendizagem dos mesmos, e viver num regime ditatorial em que esses conhecimentos não se perdem porque alguém será forçado a aprendê-los, prefiro viver em liberdade. Por muito que custe ver estes conhecimentos desaparecerem, existe sempre a possibilidade de os mesmos serem ressuscitados.
Claro que será mais fácil ressuscitar essa sabedoria se houver registos da mesma, apesar de grande parte do patrimínio imaterial não ser possível registar.

Carlos Faria disse...

ao miguel
concordo que não se deve impor qualquer profissão, mas pode-se cultivar o gosto de saber determinada área, até porque hoje muito do que se cultiva vêm com uma carga de divulgação e marketing associada. quando se fazem corridas de botes cobre-se jornalisticamente o projecto e elogia-se o concorrente, mas ninguém segue a vida de corredor de bote baleeiro... quando se repara ou se faz um bote, o seu autor fá-lo silenciosamente, longe das câmaras de tv, sem elogios de monta e sem políticos a tirar proveito desse saber, porque não rende a terceiros. mas se o herói fosse o construtor do bote, se houvesse promoção deste saber, como deve ser feita, então haveria mais interessados na arte... mesmo que não seguissem essa profissão como actividade profissional. Se em vez de corrermos com botes recuperados, houvesse um concurso para quem fosse capaz de fazer o novo bote mais rápido, mais estável, mais elegante, provavelmente ia-se procurar o saber dos mais antigos ainda disponível por mais uns dias... cada vez mais escassos

Os Incansáveis disse...

Que coincidência: acabei de ler uma reportagem sobre a arte de fazer canoas no litoral norte do estado de São Paulo ("Uma tradição ameaçada" - Revista Horizonte Geográfico 122). Os caiçaras que sabem fazê-las já são poucos. A tradição se iniciou no século XVI, quando o branco colonizador entrou em contato com os índios de etnia tupi. Um dos fazedores de canoas diz: " Meu ofício vai acabar e, sem as canoas, acaba o caiçara." É triste, porém, alguns pesquisadores lançaram o projeto "Com quantas memórias se faz uma canoa" e estão fazendo um levantamento deste saber tradicional. Mais detalhes em http://www.horizontegeografico.com.br/
Denise

Carlos Faria disse...

à Denise
foi exactamente com esse objectivo que lancei este post... "recolham o saber-fazer" "o porquê de ser assim", mesmo que a curto ou longo prazo ninguém passe a ser um profissional o saber fica. Lancem um projecto devidamente cativante onde o saber fazer seja o mote e não apenas o saber usar ou preservar o que já foi feito.
Vi a reportagem do link e lá estão os porquês de ser assim e isso é muito importante saber-se.

maugastamanhas disse...

Um jovem construtor naval faialense foi notícia bem recente. Estes ofícios adequam-se às necessidades dos tempos. Valoriza-se aquilo que a sociedade valoriza. E o melhor incentivo para cativar aprendizes é a remuneração. O que não quer dizer que não possa haver formas mais ou menos imaginativas de se rentabilizar e sustentabilizar estas artes e ofícios tradicionais.

Carlos Faria disse...

ao maugastamanbas
essa é uma notícia triste de como se perdem oportunidades de dinamização económica nesta ilha. o jovem, além de preservar uma actividade, mostrava a importância da modernidade.