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domingo, 26 de julho de 2020

"A Colmeia" de Camilo José Cela

Acabei de ler uma das obras de referência do escritor da Galiza e vencedor do prémio Nobel, Camilo José Cela: A Colmeia,
A obra decorre na cidade de Madrid pouco depois do confronto que colocou Franco no poder, em plena II Grande Guerra, quando esta começa a ser desfavorável aos alemães, e narra o dia-a-dia de um conjunto de cidadãos da classe média e baixa, com a escassez de dinheiro, os seus artifícios diversos de sobrevivência e manhas numa sociedade influenciada pela hipocrisia pública religiosa e conservadora e uma prática privada cheia de vícios.
O romance não tem propriamente uma trama, temos uma série de cenas curtas (às vezes de um pequeno parágrafo e na maioria das vezes estendendo-se por perto de uma página de texto), onde em cada uma se relata um episódio da vida das personagens que vão sendo apresentadas sucessivamente, por vezes com repetição, outras uma única vez e só um pequeno número surge desde perto do início do livro e continuam a reaparecer até quase ao fim do mesmo. Uma parte dos episódios decorre no café da senhora Rosa, onde vemos as suas relações duras com vários empregados e clientes, histórias da vida destes, do engraxador, do vendedor de tabaco, da criança cigana que canta rua, da mulher de vida em final de carreira e solitária em busca de um conforto para o futuro, do poeta sem dinheiro e dos músicos que animam o espaço, entre outros.
Outro conjunto de episódios decorre numa pensão barata de encontros íntimos onde por coincidência frequenta um pai, uma filha e os respetivos amantes, que procuram esconder entre si as sua relações íntimas. Há também uma casa de apartamentos onde ocorre um homicídio de uma idosa e mãe de um homossexual de vida escandalosa, aqui coexiste gente diversa, incluindo um médico e sua família. Há ainda uma casa de um contabilista que nos trabalhos ajeita as contas em favor dos clientes, casado cuja mulher tudo faz para ajudar o poeta pobre apesar da relação conflituosa deste com o cunhado. Além destes casos, onde é possível traçar uma linha evolutiva, existem cenas de rua e muitos outros episódios em mais locais que no conjunto envolvem 160 personagens (o número consta de um prefácio) em duas centenas e meia de páginas que dão um retrato da miséria de vida das gentes de Madrid no pós guerra civil e numa Europa em luta. Uma espécie de colmeia onde a maioria busca salvar-se individualmente e por vezes com que dores. 
O texto é muito bem escrito, vai desde linguagem popular até outra mais trabalhada e literariamente é uma obra bem original. Gostei de muitos episódios, a minha dificuldade resultou do facto de eu ser péssimo e memorizar  nomes e nesta sequência tive de fazer um esforço significativo para identificar as personagens que tinham linha evolutiva na obra e quando as comecei a identificar o contexto o romance estava a acabar... se acabou de facto!
Para quem gosta de experiências literárias: recomendo; não pelo enredo da narrativa que é escasso mas é uma obra inesquecível.

4 comentários:

Pedrita disse...

fiquei curiosa, apesar de imaginar q a estrutura venha a ser desconcertante. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Como obra, é um grande livro, soube que no Brasil, tal como em Portugal, a edição conta com prefácios de edições dos anos 1950 e 1960 escritas pelo próprio autor que são muito ricas de conteúdo.

Bárbara Ferreira disse...

Li alguns contos do autor há vários anos, que, na altura, não ficaram; ficou, no entanto, a vontade de ler mais, reaguaçada por esta sua opinião.

(o meu respectio costuma anotar nomes de personagens e as suas relações/papéis, pelo mesmo motivo que o Carlos aponta - péssimo a memorizar nomes)

Carlos Faria disse...

O problema de nomes aqui é que são 160 personagens em menos de 250 páginas, algumas não tem nome e não reaparecem, mas ainda sobram muitas... mas a denúncia das condições de vida desta gente é o mais importaimportante.