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quarta-feira, 8 de abril de 2020

"A Lã e a Neve" de Ferreira de Castro


Excerto
"eu julgava que se um homem fosse económico, podia, só com o seu trabalho, levantar a cabeça."

Acabei de ler o romance "A Lã e a Neve" de um dos escritores portugueses da primeira metade do século XX mais traduzidos internacionalmente, sobretudo conhecido por "A Selva": Ferreira de Castro.
Durante a II Guerra Mundial, Horácio, que desde a adolescência fora pastor na serra da Estrela, acabou de concluir o serviço militar na região de Lisboa e voltou a Manteigas cheio de planos: adiar o seu casamento com Idalina para construir uma casa com as condições das que viu pela capital para a sua mulher e filhos, deixar de guardar rebanhos dos outros e ser operário numa fábrica de lanifícios na Covilhã, mas aos poucos descobre as dificuldades em concretizar os seus sonhos: primeiro as dívidas dos pais e a oposição dos futuros sogros obrigam-no a ter de continuar a subir a serra com as ovelhas, depois, quando consegue o emprego desejado, verifica que a miséria dos salários é um mal geral e os colegas que lutam no sindicato sujeitam-se a perseguições do regime, mas eis que surge um programa habitacional municipal e o fim da guerra, só que a crueza da vida não o larga.
Escrito com um grande domínio da língua portuguesa e recurso a numerosos vocábulos já desusados e termos técnicos da laboração têxtil e da pastorícia, Ferreira de Castro é exímio em mostrar a conjugação da beleza da região serrana com a dureza da vida dos seus habitantes pobres, tanto pastores como operários, e evidencia os abusos dos mais poderosos na zona durante os anos da guerra e a seguir. A obra é um verdadeiro prenúncio do estilo neorrealista e só se distingue deste por o protagonista não ser um lutador político, só um esforçado trabalhador que vai descobrindo a injustiça de que o trabalho não permite sair da miséria, mas sem o levar a uma revolta pública.
Gostei, tirando os vocábulos desconhecido, é de leitura fácil, mas é uma obra muito dura pelo retrato social que faz.

5 comentários:

Joaquim Ramos disse...

Li-o na juventude assim como outros do autor. Apesar de difícil, não se compara na riqueza vocabular a Aquilino Ribeiro. Santa Páscoa para si e família.

Pedrita disse...

não conhecia esse autor. fiquei curiosa. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Joaquim
De Aquilino apenas li O Malhadinhas quando adolescente no liceu e há pouco anos Volfrâmio, achei de facto uma enormidade de vocábulos estranhos, mas as obras são menos duras que este romance de Ferreira de Castro, o que compensa.

Pedrita
O escritor foi também emigrante no Brasil e A Selva foi um sucesso global, considerado a sua obra prima e passa-se em grande parte na Amazónia. Talvez uma boa obra para o conhecer

Bárbara Ferreira disse...

Nunca li Ferreira de Castro, mas tenho aqui na estante. O meu respectivo já leu e adora. A priorizar.

Carlos Faria disse...

A Selva é mais fácil de ler do que este em termos de dureza, pois tem uma história mais global, mas ambos denunciam injustiças que sofrem os mais fracos.