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sábado, 28 de maio de 2022

"Os detetives selvagens" de Roberto Bolaño

 

Citação

"o poeta não morre, afunda-se, mas não morre."

Acabei de ler o meu segundo e extenso romance do chileno Roberto Bolaño: "Os Detetives Selvagens" e tal como o enorme anterior "2666" este é sem dúvida uma obra difícil de classificar, aliás, é este o legado dos livros deste autor: trabalhos que procuram mudar os estilo e a forma de fazer literatura latinoamericana e, sem dúvida, que ele conseguiu distinguir-se.

O romance está dividido em três partes: a primeira, em 1975, é a narrativa, em forma de diário, de Juan García Madero, um órfão com 17 anos que é forçado pelos tutores a seguir direito quando queria literatura, mas que entra em contacto com um grupo de poetas que querem criar um novo movimento literário de poesia mexicana: o "real visceralismo"; que teria origem numa poeta há muito desaparecida e cuja obra era quase desconhecida: Cesárea Tinajero. O grupo é então liderado por Arturo Belano e Ulises Lima a que se associaram diversos jovens, uns filhos de ricos, outros miseráveis, que vivem uma vida revolucionária em termos de arte e de costumes livres que Juan relata e onde mergulha nessa forma de viver e prática sexual. Esta parte termina numa cena de fuga na noite de final do ano em que Garcia Madero participa para proteger uma prostituta do seu explorador.

Na segunda parte temos múltiplas narrativas ao estilo de memórias, desde muito curtas a mais extensas, por vezes são quase contos autónomos. Nestas temos episódios de vida dos diversos membros reais visceralistas ou de gente que esteve em contacto com Belano e Lima. Relatos que vão de 1976 a 1996 e além de mostrarem o estilo de vida de sexo livre, álcool e drogas de muitos das personagens envolvidas, evidencia a busca do grupo em descobrir quem foi Cesárea e a sua obra desaparecida. Entretanto, vai-se montando, de um modo mais ou menos caótico, a biografia daqueles dois líderes e poetas não aceites pela escolas artísticas estabelecidas e, muitas vezes, em confronto com a própria lei. É evidente que Arturo Belano é um alter ego do autor, pois, conhecida a biografia de Bolaño, verifica-se ao longo da narrativa que estes dois são ambos chilenos de esquerda, refugiados no México devido a Pinochet, procuram mudar a literatura, vivem com dificuldades e estabelecem-se mais tarde em Barcelona onde têm família. Talvez muitas das memórias expostas mais não sejam que retratos do que foi a vida de muitos jovens próximos do autor e algumas personagens e referências na obra são escritores e artistas consagrados que se misturam com outros ficcionados no livro.

A terceira parte, retoma novamente o diário de Garcia Madero, com a continuação da fuga na passagem para o ano de 1976, a que se associa uma busca para encontrar Cesárea Tinajero pela região desértica de Sonora, enquanto são perseguidos por inimigos que tentam recapturar a fugitiva que retiraram ao explorador desta, isto numa viagem e investigação que dura cerca de um mês e com um final surpreendente.

A escrita é muito cativante, com um estilo fácil de leitura, mas verifica-se que é muto cuidada, mesmo quando segue a forma do falar diário banal e nas memórias, onde por vezes se adequa a forma ao tipo de personagem que a narra, culto em várias áreas ou cidadão comum. Bolaño faz uso de vocábulos grosseiros, sobretudo de cariz sexual, e relatos explícitos das relações íntimas sem se ater perante as várias orientações das personagens, o que pode ferir certos leitores mais pudicos ou preconceituosos, mas faz um retrato cru e, provavelmente, realista do grupo constituído pelos artistas e jovens de esquerda latinoamericanos de língua hispânica que se exilou na cidade do México e em Barcelona na década de 1970 por razões políticas e das suas ligações com as gentes destas cidades e a outras partes do mundo. Gostei da obra, é efetivamente original e mostra todo um universo hispânico, contudo, não deixa de ser um romance extenso com partes mais ou menos vivas, mas todas cheias da força da capacidade narrativa que era o forte deste escritor.

3 comentários:

Teresa Palmira Hoffbauer disse...

Tenho nas mãos o único romance de ROBERTO BOLAÑO que faz parte da minha biblioteca „Stern in der Ferne“.
A análise literária do Carlos deixou-me curiosa.

Pedrita disse...

ainda não li nada dele. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Teresa
Que eu saiba esse é uma crítica mórbida ao regime de Pinochet, pela trama será uma obra muito diferente desta e de 2666 onde a ficção é o cerne do tema, mas deve valer ao menos para conhecer a sua escrita.

Pedrita
Bolaño é uma referência da literatura latinoamericana no final do século XX em castelhano e mostra mais uma vez como esta língua tem uma pujança revolucionária e criativa nesse continente no mundo literário, por isso deu tantos nomes universais e prémios Nobel.