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sábado, 28 de dezembro de 2019

"Conduz o Teu Arado sobre os Ossos dos Mortos" de Olga Tokarczuk


Excerto
"Toda a complexa psique humana foi-se formatando para impedir o Homem  de compreender aquilo que realmente vê,... ...O mundo é uma prisão cheia de sofrimento, construída de modo que, para se sobreviver, seja preciso infligir dor a outros."

Esta leitura resultou precisamente do facto de a autora polaca ter ganho este ano o prémio Nobel da literatura. "Conduz o Teu Arado sobre os Ossos dos Mortos" é uma espécie de romance policial, psicologicamente perturbador, não por ser um manifesto da causa animalista que considera os animais seres com estatuto igual ao dos humanos, uma espécie de religião ateia.
Num planalto isolado pouco povoado na fronteira entre a Polónia e a República Checa, na sequência da morte de um caçador furtivo uma vizinha deste - antiga engenheira de pontes mas forçada a abandonar a profissão por doença, professora de inglês mas reformada compulsivamente, tradutora de poesia, vegan e defensora dos animais - levanta a hipótese de que ele foi assassinado por corças em protesto pelo sofrimento infligido à fauna. Apesar do mau acolhimento da teoria, aos poucos outros caçadores da zona são assassinados com sinais de ação de animais. Ela pressiona a polícia a investigar os desrespeitos na caça e o ataque aos seus cães. A tensão cresce perante o desprezo das autoridades e a cooperação do padre nesta crueldade, até que tudo se descobre sobre estes crimes em série.
Olga Tokarczuk escreve bem, com a particularidade de colocar em maiúsculas substantivos a que dá importância: Animais, sentimentos como a Ira e certos Objetos. Paralelamente a narrativa faz-nos acompanhar da poesia de Blake, fala da literatura de terror e do instalar deste na sociedade caçadora, enquanto a protagonista como ativista vai acusando a sociedade de crimes ambientais, forçando a mudança de mentalidade das autoridades e convivendo com amigos desenraizados destes vícios civilizacionais.
O romance lê-se muito bem, tem suspense e incomoda com questões lançadas. Não concordo com todas as ideias da protagonista, mas estes argumentos têm-se alastrado na sociedade atual através de grupos que tentam impor este pensar a toda a comunidade. Um livro que recomendo.

6 comentários:

Pedrita disse...

fiquei curiosa. tb queria ler alguma obra dela. gostei da capa. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

O título parece-me que é um verso de Blake e mostra a valorização dos Animais é semelhante a outras capas na Europa.

Maria disse...

Eu gostei muito de ler este livro, que é aquilo a que chamo um page turner. Tal como o Carlos, também não concordo com tudo o que ela defende, mas acho cativante a forma como ela o faz. Estou a pensar comprar o Viagens, que dizem ser um livro mais exigente, mas este foi uma bela estreia, que também recomendo.
🦌

Carlos Faria disse...

Maria
Também penso que a escritora não está de pleno acordo com a sua personagem, daí o que põe a nu na conclusão do romance, como para dizer: cuidado! com os extremismos que podem levar a isto.
Penso que Viagens é de um estilo bem diferente.

Kelly Oliveira Barbosa disse...

Oi Carlos, gostei da resenha.
Ainda não consegui me interessar por essa ganhadora do Nobel.
Aqui no Brasil agora que está a chegar os livros dela.

Carlos Faria disse...

Kelly
Também era praticamente desconhecida em Portugal até ao Nobel, este foi o primeiro livro que conheço traduzido e só alguns meses antes do prémio. Depois já saiu outro, mas o programa editorial português atrai-se mais por sucessos garantidos de vendas do que pela qualidade literária das obras. Suspeito que no Brasil não será muito diferente, mas o universo populacional é muito maior, mesmo que percentualmente possa haver menos leitores assíduos