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sábado, 19 de janeiro de 2019

"O Agente Secreto" de Joseph Conrad



Excertos
"é provável que, à sua maneira, os revolucionários mais ardentes nada mais façam do que procurarem a paz em comum com o resto da humanidade"

"A loucura e o desespero são uma força."

Uma citação deste livro numa leitura recente despertou-me interesse na obra, já que o polaco, naturalizado inglês, e um dos expoentes literários britânicos do início do século XX Joseph Conrad, que está entre os escritores que venero, sobretudo devido à sua abordagem profunda aos dilemas de consciência e ação na pessoa humana, tão bem representado em "O coração das trevas" capacidade que até foi depois transposta para uma magnífica obra cinematográfica, passada num ambiente e época bem diferente por Francis Ford Coppola no filme Apocalipse Now.
No livro "O Agente Secreto" da imagem é referido na contracapa como policial, mas é muito mais do que um romance deste género. Tem polícias, tem terroristas e teias de espionagem, mas é sobretudo uma história onde se aborda piscologicamente os dilemas, os vícios destes grupos de atividade, eventuais convicções e os seus frequentes receios, numa história onde o mais evidente são diálogos equívocos magistralmente construídos entre as personagens que misturam: catástrofe, crime, medo, solidão e busca de paz interior - o que logicamente não é possível neste tipo de intriga politica e ideológica. Mais importante do que a saída do confronto entre espiões e policias, a obra salienta o que cada um sente e pensa à medida que a ação, fiasco terrorista e investigação vai avançando. As personagens não são ocas obsessivas por a descoberta do mistério, são seres humanos densos, com sonhos, ideias do mundo e do outro que tentam sobreviver no seu trabalho nem sempre legal.
A estória conta como o Sr. Verloc - um quarentão, calado, calmo e casado com uma mulher bem mais nova que tem um irmão talvez autista, sendo estes dois filhos da anfitriã de quem ele fora hóspede e agora todos membros do seu agregado familiar - possui uma vida de dupla de espião a um serviço estrangeiro e está ligado a movimentos anárquicos e socialistas. Os rendimentos de Verloc são disfarçados com uma loja de produtos de cariz erótico e ainda dando informações à polícia. Tudo corria bem até que uma mudança na embaixada altera a estratégia e o obriga a fazer um atentado em Greenwich para culpar o movimento anarquista e levar o governo de Londres a rejeitar o acolhimento de refugiados ligadas a esta ideologia.
Verloc não tem estofo para a empreitada, mas a necessidade de manter a família leva-o a concretizar o ato que acaba num fiasco e tragédia que arrastará cunhado, mulher e as boas relações com o polícia, um herói reconhecido cujos hábitos estão em confronto com o seu novo chefe que não se deixa levar no logro se estar perante terrorismo de anarquistas, o que levaria a Inglaterra a perseguir inocentes ex-criminosos do seu círculo social que o detetive quer culpar.
Desencontros de mentalidades e equívocos de como pensa o outro levam a imprevistos, cujo leitor reconhece serem fruto dos erros de análise psicológica dos personagens.
O estilo de escrita é de grande qualidade literária, muitas vezes ausente em obras policiais, e colocado ao serviço da descoberta do interior das pessoas, criando um romance de grande envolvimento analítico que é uma obra-prima por conjugar o policial, a reflexão e a boa literatura. Gostei muito.


4 comentários:

Pedrita disse...

eu tenho coração das trevas a ler, mas como não me identifiquei com lord jim nunca escolho depois que acabo um livro. prometo reconsiderar. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Lord Jim baseia-se e muito na personagem descoberta pelo narrador em O coração das trevas, existem afirmações que são mesmo o espelho das do livro, embora o contexto seja bem diferente. A denúncia da loucura humana no livro e na obra também são em ambientes que foram reais: num a guerra do Vietname e no outro o genocídio belga em torno do rio Congo... mas pode sempre entrar por outras obras menos negras como esta ou Nostromo, ambas maravilhosa.
Conrad é de facto um excelente escritor e por isso este polaco (polonês) é considerado um dos principais escritores britânicos pelos ingleses e este reconhecimento a um estrangeiro por um País como a Inglaterra mostra bem como se renderam ao seu valor.

ematejoca disse...

Também aqui na Alemanha é considerado como um escritor de mérito.
Li vários romances de Conrad na minha juventude.
O romance aqui mencionado li-o ainda há muito pouco tempo.
Já conhecia o filme de Hitchcock baseado neste romance.

Carlos Faria disse...

Talvez tenha visto o filme, mas não tenho ideia e ao ler o livro não me despertou memórias, talvez faça parte dos poucos Hitchcok que não vira