Páginas

sexta-feira, 10 de março de 2017

"Submissão" de Michel Houellebecq


Decidi ler "Submissão", do escritor francês contemporâneo Michel Houellebecq, tendo em conta a situação eleitoral agora em curso naquele País Europeu, uma vez que este livro é um romance recente e onde se disserta sobre o futuro da França resultante de umas eleições presidenciais em 2022 cujos candidatos na segunda volta (segundo-turno no Brasil) são apenas o da extrema-direita e o de um futuro partido dos muçulmanos.
Sendo Houellebecq um escritor frequentemente polémico, esta obra também tem elementos discutíveis e ideias que pretendem mesmo agitar consciências e levar à reflexão, contudo não deixa de apresentar o risco de uma evolução distópica da atual civilização ocidental a partir de França. François, um professor universitário na Paris III - Nova Sorbonne, especialista no escritor, não fictício, francês do século XIX Huysmans (que de amigo de Zola e satanista se converteu ao catolicismo, deixando plasmado nas suas obras a sua evolução pessoal). O protagonista e narrador é um fruto típico da época ocidental atual, um niilista e hedonista que segue desinteressadamente a política do seu país sem se envolver e sem se aperceber do evoluir da situação e dos  riscos de mudança possíveis na sua terra preparadas nos bastidores pelas forças ideológicas e religiosas em presença, Num repente, o mundo em que viveu muda radicalmente, o poder é tomado por um líder forte de uma das fações da segunda-volta que negoceia e salvaguarda os interesses dos políticos adversários tradicionais fracos, comodistas e egoístas, que aceitam um conjunto de mudanças no sistema onde se retiram o atual papel da mulher na sociedade e levam uma campanha simpática de mudança de mentalidade através do ensino, que à semelhança da distopia de "O admirável mundo novo", de Aldous Huxley, pode levar a que a submissão seja entendida pelos submetidos a uma nova forma de se sentirem felizes neste mundo em que uma parte da humanidade não tem voz nem estatuto social.
Embora Houellebecq não escreva de uma forma bela, antes pelo contrário, estamos perante um texto cru e por vezes chocante, mesmo quando descreve crueldades de uma forma ardilosamente simpática, a leitura é fácil pela clareza colocada no texto. Pontualmente, na vida íntima do protagonista, o escritor não se limita a um erotismo subtil, avança para uma linguagem e pormenores que podem mesmo ferir a suscetibilidade do leitor, todavia é evidente que tal é a intenção do escritor.
Fiquei curioso por conhecer a obra de Huysmans, que também se deduz ter sido muito importante na literatura francesa do século XIX, mas cuja importância foi intencionalmente abafada por a sua evolução colidir com a estratégia em rumo de uma civilização laica onde as questões de fé são retiradas do espaço coletivo.
Como livro que fala de um futuro próximo e a partir dos dados da data da sua publicação inicial, 2015, alguns pormenores previstos em 2017 sofreram vários desvios, além de terem surgido alguns aspetos maus não considerados, mesmo assim no cerne a obra mantém-se bem atual e a sua mensagem não perdeu qualquer atualidade. 
Apesar de um futuro negro apresentado em tons cor de rosa e de algumas opções descritivas que não são do meu inteiro agrado, que considero quase pornografia na literatura, gostei mesmo muito do livro, que procura agitar e despertar consciências que vivem como sonâmbulas nesta sociedade laica, onde os valores religiosos são silenciados enquanto outros procuram impor as suas crenças e modelo sem que o cidadão comum se aperceba.

5 comentários:

Pedrita disse...

fiquei curiosa. a capa é linda. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Um livro forte, mas muito interessante... a capa mostra bem a ascensão islâmica através do símbolo e do patrão dos azulejos árabes

ematejoca disse...

Um romance que descreve uma "quase" realidade. Na Alemanha, os turcos vão para a rua e gritam: "pena de morte". Turcos com passaporte alemão que não aceitam a sociedade onde vivem e adoram o "sultão" turco.

Carlos Faria disse...

O mais chocante nesta obra é que são franceses cultos e políticos que se submetem na sequência do aliciamento e arrastam toda uma sociedade.

Pedrita disse...

falei de livro no meu blog.