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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

"Quarteto de Havana I - Ventos de Quaresma" de Leonardo Padura


Acabei de ler o segundo romance do primeiro volume do Quarteto de Havana do escritor cubano Leonardo Padura: "Ventos de Quaresma", outro policial protagonizado por Mário Conde, tenente da esquadra central de Havana que sonhava ser escritor e se tornou polícia de investigação criminal. Sobre o anterior obra podem ver o texto aqui.

Havana sofre os efeitos da fustigação habitual de ventos intensos e penetrantes que costumam sentir-se pela época da quaresma na cidade, neste ambiente, pouco a seguir a se cruzar na rua com uma mulher por quem se sente imediatamente atraído, é entregue a Mário Conde o caso do assassinato de uma jovem professora da escola pré-universitária de que ele fora aluno anteriormente. A vítima é alguém da juventude do partido e cidadã exemplar para as novas gerações. Ao longo da investigação, o tenente vai descobrir ligações promíscuas desta docente ao elenco diretivo, ao mercado negro, ao mundo da droga e, inclusive, a ultrapassagem dos limites éticos de intimidade com certos alunos. Entretanto, sob a pressão deste vento contínuo, o investigador deambula entre as suas recordações da escola, a amizade com os colegas, sobretudo o gordo Magricela (tornado inválido na guerra de Angola) e a necessidade de satisfazer a sua paixão aguda e perturbadora por aquela mulher que toca saxofone, enquanto a sua vida prossegue o crónico percurso decadente com amigos frustrados com a vida que afogam as mágoas no álcool, na comida, no beisebol e nas recordações dos tempos de sonho em que eram estudantes.

Padura tem uma forma única de escrever a decadência culta das suas personagens, onde, em simultâneo, transpira a banalidade da vida comum e vazia das classes que sobrevivem com as dificuldades do dia-a-dia e a elegância e o cuidado de um bom escritor que junta o discurso e pensar banal ao pensar culto e escrever literário. A forma de descrição dos efeitos do vento sobre as pessoas e Havana, bem como a denúncia discreta dos problemas sociais do regime, sem ofender este último, e os vícios privados da sociedade e das suas personagens, dão-me um grande prazer na leitura da sua prosa, uma vez com tons poéticos e elevados e outros de elogios dos prazeres decadentes. Um livro que não se fica por ser um policial mas também é uma texto literário. Gostei.

7 comentários:

Kelly Oliveira Barbosa disse...

Antes eu fugia de séries, livros que tem continuação... Agora tenho aprendido a ler e gostar. Quantos volumes são ao todo esse universo do Padura?

Pedrita disse...

fiquei curiosa. gostei da capa. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Kelly
Os personagens principais, Mario Conde e colegas pré-universitários repetem-se mas as obras são todas independentes, o quarteto tem 4 romances policiais e dois volumes.
Nem todas as obras dele são policiais, "O homem que gostava de cães" por exemplo romanceia o homicídio de Trostky e o fim da vida deste. É uma obra muito boa.
Os hereges, funciona a 2 tempos, num existe Mario Conde e no outro é período do renascimento, é muito bom também.
As do quarteto são obras menores, mas bem escritas

Pedrita
A capa do volume II é do mesmo estilo. São policiais que conciliam histórias de género, boa escrita e mostram a vida dura em Cuba evitando entrar em conflito com o regime.

Pedrita disse...

vou ler. falei de livro no meu blog.

Kelly Oliveira Barbosa disse...

Certo. Obrigada.

Joaquim Ramos disse...

Na casa dos sessenta não penso ter muito mais tempo com a vista a permitir-me grandes leituras, por isso gosto de pedir sugestões e recomendações. Não há tempo para experimentalismos.
Do Carlos tenho várias indicações, todas boas, com relevo para essa obra-prima O Quarteto de Alexandria de Lawrence Durrell.
A sugestão para Os Hereges veio de outra pessoa e juntamente comprei O Homem Que Gostava De Cães que gostei muito, de modo que Os Hereges ainda se encontra por ler. É como começar a comer um pãozinho com queijo, uns patês, uma sopinha e deixar a lagosta grelhada para o fim, correndo o risco de já não se ter fome na altura.
Agora ando a ler uma obra maravilhosa que não pensei que me agradasse tanto. Não consigo recordar quem me sugeriu, se calhar até foi o Carlos, porque a autora é canadiana, Carol Shields e o livro The Stone Diaries (A Memória Das Pedras) é passado entre o Canadá e os USA, e penso que muito havia a dizer sobre ela. Cinco estrelas!

Carlos Faria disse...

Obrigado por seguir o blogue e pelas palavras relativas ao que aqui escrevo.
Comheço Carol Shields e o título em causa de nome, ganhou prémios no Canada, mas não o li ainda, pelo que não fui eu quem o recomendou.
O quarteto de havana são policiais mais leves que Os hereges, embora Mario Conde esteja presente na primeira e terceira parte da obra que gostei muito. Faz lembrar um pouco o estilo de Farancisco José Viegas e o seu agente da psp Joaquim Ramos, embora a escrita seja mais elaborada.