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domingo, 5 de maio de 2019

"Coração Impaciente" de Stefan Zweig


Excertos
"muitas vezes, a coragem não é mais que o disfarce da fraqueza."
"a piedade é espada terrível, espada de dois gumes; quem não sabe manobrar essa espada o melhor é não lhe pôr as mãos."
"vale sempre a pena aceitarmos qualquer coisa de muito pesado, muito difícil para tornarmos a vida mais leve a um outro ser."

Acabei de ler o único romance do austríaco Stefan Zweig "Coração Impaciente", escritor de várias biografias de personalidades históricas e de numerosos contos e novelas onde ele por norma explora a força dos sentimentos humanos até à exaustão paroxismal que conduzem à destruição ou ao sacrifício extremo das pessoas. Esta obra é um exemplo perfeito, embora mais extensa, deste último género, onde demonstra que a piedade é de uma exigência máxima para o seu detentor, caso contrário, é mera cobardia e pode provocar uma agressão máxima ao alvo desse sentimento.
Zweig neste romance usa a sua técnica habitual em contos e novelas, a partir do conhecimento de uma situação ou personagem intrigante, o narrador conta a revelação que lhe foi contada de um caso onde um sentimento ou um comportamento levou ao desenlace extremo e onde o confidente se sente culpado das consequências dessa situação.
Em Coração Impaciente e comunicada ao narrador a valentia e heroicidade de um militar presente num restaurante onde o visado nota que está a ser alvo da conversa, só que este mais tarde cruza-se com ele e confidencia-lhe como a sua medalha de valentia na 1.ª grande guerra o envergonha, pois resultou de uma fuga a uma série trágica de cobardias onde a consequências da sua irresponsabilidade de após um jantar, em casa de um recém-conhecido muito rico e rejeitado em sociedade, ter convidado a filha do anfitrião para dançar por não ter percebido que a mesma era paraplégica. Este incidente desencadeará nele uma compaixão para com a vítima que o levará uma série de ações em cadeia e a despertar sentimentos na doente, sendo ele devidamente avisado pelo médico da paralítica que a piedade é um sentimento que exige sacrifício extremo do seu autor, sendo o próprio doutor um exemplo de escândalo social por ter sido capaz de assumir todas as obrigações que a piedade cobra, precisamente onde o tenente sabe que falhou por medo.
Apesar de uma trama densa e trágica, a leitura é muito fácil devido à elegante e excelente escrita de Zweig, onde o pormenor das obrigações de cada um pelos sentimentos assumidos individualmente, cruzados com as descrições das relações sociais e comportamentos coletivos e pessoais, tanto em meio civil como militar, quer na perspetiva médica como psicológica, visão de doente, familiares, amigos e estranhos são tecidos com tal mestria cuja macieza no prazer de ler cobre a dureza dos aspetos focados no romance, o que o torna numa obra-prima literária. Gostei muitíssimo


7 comentários:

Pedrita disse...

que maravilha! já comentei com vc q os livros de ficção do sweig desapareceram no brasil. eu fico frustradíssima pq queria muito conhecer. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Por cá estão praticamente todos editados e à venda, curiosamente este Coração Impaciente está esgotado... mas as novelas e as biografia têm sido editadas e reeditadas sucessivamente.

Kelly Oliveira Barbosa disse...

Oi Carlos! Eu ouvi falar desse autor pela primeira vez aqui no seu blog. Não sei se comentei, mas eu li "O mundo de ontem" a autobiografia do Zweig. Foi impactante, ele não só tem uma escrita magnífica como o que está naquele livro me deixou sem palavras (a ponto de não conseguir escrever minhas impressões).

Estou com uma biografia e uma novela do autor aqui em casa me esperando.

Ótimo domingo!

ematejoca disse...

Li este romance já há tanto tempo, que me apetece lê-lo novamente. Ainda outro dia, ao limpar a estante, estive com ele na mão. Está velhinho, porque ainda é da biblioteca dos meus pais.

Continuação de boas leituras:-

Carlos Faria disse...

Kelly
Zweig tem uma ligação ao Brasil, ele e a esposa estiveram refugiados do nazismo aí no Brasil, só que no fim eles se suicidaram em Petropolis, RJ. Sim este tem uma escrita magnífica e o livro que leu retrata o declínio económico e civilzacional da Europa do final do século XIX até às grandes guerras. Vale a pena conhecer a sua obra.

Ematejoca
É de facto um grande romance, penso que ele sobrevaloriza a culpa de quem despertou paixão mas sem amar o alvo da piedade, mas sem dúvida que é uma análise que obriga a muita reflexão e a escrita é de facto excelente.

Joaquim Ramos disse...

Parece muito interessante. A novela de xadrez também deve ser bom.
Gostava de lhe pedir ajuda sobre a escritora canadiana Alice Munro, da qual nada li ainda. Consultando o goodreads vejo vários livros da autora com boas cotações entre os 3.98 e os 4.29 o que apesar de não ser decisivo é sempre um bom critério na seleção de obras a comprar. Pedia pois ao Carlos, dada a minha indecisão, que livro me aconselha para me estrear nesta escritora.

Carlos Faria disse...

Joaquim Ramos
Já li várias obras de Munro e gostei de todas, embora mais de umas de que de outras. Por norma os seus livros são de contos, tal como Tcheckhov, embora eu saiba que há um ou dois que não o seja mas não li.
Ao nível dos títulos das obras (vou dizer em Portugal embora os tenha lido no original), o que mais gostei foi "A vista de Castle Rock" tem a vantagem de serem contos sobre a família dela e da sua juventude, o que em simultâneo funciona como estórias curtas e um conjunto que se completa como uma saga familiar. Contudo como nasci no Canada este livro tem o condão de eu ter visto a criação do meu país natal vista por imigrantes da Grã-Bretanha o que para mim é importante para compreender melhor o País.
Um dos que eu mais gostei foi "O amor de uma boa mulher", pelo que a selecionar dois, seriam estes os títulos os que recomendaria.