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terça-feira, 13 de junho de 2017

"As Regras da Casa da Sidra" de John Irving


O romance do norte-americano John Irving "As regras da Casa da Sidra" que acabei de ler, não sei se intencional ou não, apresenta um resumo, tanto no site onde comprei o livro, como no verso da capa deste, que se desvia em muito do cerne da questão principal levantada pela obra: o aborto pela livre escolha da mulher. Não importa se o leitor deste post é a favor da questão ou não, mas os vários episódios principais que marcam as personagens de um modo ou outro encaminham sempre o problema para esta questão ética.
Wilbur Larch jovem do Maine decide seguir medicina, na sua fase de viragem a adulto é-lhe ofertada pelo pai uma noite com uma acompanhante mais velha, depois conhece a filha, mais tarde já como médico e perante uma gravidez indesejada desta, ele recusa-se à interrupção, o que a conduz indiretamente à morte. Uma marca deixada pela mãe e o fim da filha levam-no a recolher-se num orfanato onde se torna no médico residente, viciado em éter, que estabelece uma rotina com os acolhidos e de onde dá plena liberdade às grávidas que ali se dirigem para estas criarem um novo órfão, a acolher na instituição para adoção, ou de evitar um filho indesejado. Uma prática então ilegal, este agir leva a que o estabelecimento seja visitado por muitas mulheres e entre os bebés que acolhe afeiçoa-se a um: Homer, cujas peripécias o impediram de ser adotado. Wilbur ensina-lhe a sua profissão e torna-o num obstreta dotado de prática exemplar, mas que recusa o papel de Deus na decisão de uma vida. Um casal jovem, bonito e rico vai ao orfanato e recebe o jovem de igual idade para a sua quinta de maçãs e sidra. Começa então uma relação amorosa a três que mistura admiração mútua, desejo, respeito e transgressões, com tempo este órfão torna-se central na empresa, mas à distância o médico velho prepara o seu sucessor e sabe que só o seu educando pode ocupar aquele local e monta uma estratégia para o seu trabalho continuar.
A obra está escrita por vezes de uma forma crua, com  tons científicos de práticas médicas, noutros está cheia de ternura, numa mostra de relações humanas onde se cruzam questões éticas e os instintos íntimos, redigido de uma forma elegante. Para mim a personagem principal da obra não é o protagonista Homer, mas sim quem o criou.
Sim, gostei muito do romance, que até no amor entre personagens principais cria situações incómodas para os princípios éticos de uma relação familiar, de amizade e amorosa, além de outras situações que perturbam o leitor, é sem dúvida um grande romance, inclusive no tamanho (750 páginas), bem escrito, com ironia e amargura temperada com questões de ética, carinho e paixão, que recomendo a quem o preconceito não se sobrepõe à questão ética que a obra aborda.

9 comentários:

Pedrita disse...

ah, já li sinopses que parecem falar de outra obra. mas acho que as sinopses que me irritam mais são os q contam o final do livro o que já aconteceu algumas vezes. em geral não leio sinopse alguma, só depois de ler a obra. ou mesmo ver um filme. fiquei interessada por esse livro. o aborto é um tema complexo e no brasil é proibido, então as mulheres fazem em clínicas clandestinas imundas e muitas morrem ou ficam incapacitadas de ter outros filhos depois. muito trágico. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Em Portugal há anos que era permitido em casos de malformação do feto, risco de saúde para a mãe e violação, agora é quase livre. O livro retrata muitos dos problemas das mulheres que pretendem fazer um aborto, embora apenas uma destas é uma personagem importante no livro que cobre um período que quase meio século de problema no Maine. É um bom livro e claro na posição do autor nesta matéria

Kelly Oliveira Barbosa disse...

Olá Carlos! Como já comentei sempre encontro livros inusitados por aqui, por isso a leitura das resenhas sempre me acrescenta...

É bom as questões polêmicas aparecerem na literatura, porque o autor pode dar voz aos dois lados ou pontos de vista, mesmo que isso nem sempre acontece, é algo que pode ser feito.

Abs.

Carlos Faria disse...

Ao lermos obras polémicas ou até com ideias contrárias às nossas encontramos uma excelente forma de amadurecermos as nossas ideias e convicções, caso contrário, é como crescer numa estufa que ao primeiro vidro quebrado por uma tempestade logo destrói o nosso mundo.
Sim Kelly eu sou muito versátil em termos de leituras e por isso há possibilidade de aqui se encontrarem obras bem diferentes, inclusive uma das monitoras do ginásio onde vou fazer manutenção física espreita-me sempre os livros que leio pois diz que há grande probabilidade de se surpreender e inclusive já me pediu livros para ler.

Bárbara Ferreira disse...

Carlos,

Nunca li nada deste autor, embora já tenha ouvido falar nesta obra em particular.

Não tenho medo de questões éticas ou polémicas na literatura - sem dúvida que estarei atenta a este livro, tendo esta opinião aumentado sem dúvida a minha curiosidade.

Carlos Faria disse...

Só se desenvolve uma opinião madura sobre uma questão madura ouvindo ideias contrárias e os seus argumentos. Também foi o primeiro livro que li dele, mas gostei e recomendo, é uma obra para amadurecer o leitor.

Carlos Faria disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marly disse...

Olá,

O interessante é que não li este livro, mas reconheci na resenha o enredo do filme "Regras da Vida", estrelado por Michael Caine e Tobey Maguire. O filme resultou bom, o que me leva a presumir que o livro é ainda melhor rsrs.

Carlos Faria disse...

Já houve quem viu o filme e leu o livro que chegou precisamente a essa dedução: o livro é melhor, mas eu não vi o filme.