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segunda-feira, 25 de agosto de 2025

"O Ano do Dilúvio" de Margaret Atwood

 

Acabei a releitura do segundo volume da trilogia distópica sobre um possível fim da humanidade escrita pela canadiana Margaret Atwood, mas agora na sua tradução para Portugal: "O Ano do Dilúvio". 
No primeiro volume "Órix e Crex" viu-se o fim da civilização humana através dos olhos de Jimmy, o Homem das Neves, que até perto do fim do romance parece ser o único sobrevivente da pandemia gerada por Crex, feita como revolta contra esta civilização capitalista, injusta e desigual, levando à substituição de homem natural atual por um novo Humano, perfeito e criado por manipulação genética.
Se em "Órix e Crex o mundo é visto pelos olhos de quem vivia nos espaços privilegiados das grandes corporações da economia global, com as sua regalias e luxo, em O Ano do Dilúvio conhecemos o que era a vida dos cidadãos comuns nas zonas exteriores e miseráveis através das memórias de duas sobreviventes da pandemia criada por Crex: Toby e Ren.
Assim, temos um mundo cheio de violência, de consumismo incentivado pelas corporações, niilismo e graves problemas ambientais com extinção de numerosas espécies animais, subida dos mares e tempestades num clima tórrido. Situação que leva ao surgir de uma nova religião ambientalista, os Jardineiros de Deus, a que pertenceram as protagonistas. Vemos a vida destes auto-excluídos vegetarianos, a sua mensagem teológica radicada no Génesis bíblico, enquanto esperam um fim do mundo próximo num dilúvio seco. Conhecemos  as suas festividades com santos que são grandes nomes da ecologia e das ciências naturais, sermões do líder Adão Um e como louvavam a biodiversidade e se preparavam para o pós-dilúvio como novos Adãos e Evas. Assistimos ao cruzar das personagens importantes dos dois volumes e ao encontro final entre os dois tipos de seres humanos: Jardineiros, dois representantes do mal passado e os crexianos, a nova humanidade, deixando assim pistas para o terceiro volume que irei ler em Português.

A principal novidade desta releitura em português foi ficar claro algumas ligações entre os dois volumes que antes me escaparam, por ter levado uma década de intervalo entre as primeiras leituras dos mesmos, é sem dúvida um romance ecologista, cuja mensagem procura despertar para um modo de vida sustentável e em equilíbrio com a biodiversidade, por vezes mostrado através de algum radicalismo, mas também com a análise crítica do mesmo, sem excluir o criacionismo do Génesis revisto à luz do evolucionismo. A versão inglesa está enriquecida com hinos das festividades que se podem seguir musicalmente na net, enquanto a lusa, apenas temos os seus versos, contudo, o tradutor procurou respeitar não só o espírito dos textos originais como acompanhar a criatividade linguística de neologismos necessários para a compreensão do mundo ficcionado pela autora canadiana. 

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

"Órix e Crex (O último homem)" de Margaret Atwood

Passado cerca de 20 anos, reli, agora em português, o romance "Órix e Crex" que encontrei na biblioteca pública da Horta. Um livro da canadiana Margaret Atwood, que na tradução lusa tem o subtítulo "O Último Homem", no original só "Oryx and Crake". Este é o primeiro livro de uma trilogia que já li integralmente em inglês, contudo, apenas falei neste blogue do último volume, já que as leituras dos anteriores decorreram antes da existência de Geocrusoe ou deste se ter tornado um espaço para falar de livros.

O romance decorre num futuro próximo, distópico, com o descontrolo da investigação tecnológica, sobretudo, da genética; num ambiente de catástrofe das alterações climáticas, no niilismo das pessoas e da dominância dos interesses económicos e capitalistas dos empórios industriais e comerciais. O que gerou uma sociedade de desigualdades na vidas do génios, acolhidos pelas empresas, face à dos cidadãos comuns, uma realidade geradora de uma violência intensa, novas religiões ecologistas e separação entre os espaços paradisíacos para os protegidos e os infernais para os restantes, as plebelândias. Um sistema mantido à custa de uma polícia de segurança altamente poderosa com uns serviços de informação que espiam tudo e prontos a agir para a preservação da situação sem qualquer respeito pelos direitos dos cidadãos.

No livro vemos o mundo pelos olhos de Jimmy, de inteligência mediana, criado no mundo dos privilegiados, que estabeleceu amizade com o seu colega de escola Glenn, um génio nas ciências de ponta. Este adota o nome de Crex como guru na maratona entre os animais extintos e as novas criações genéticas, ambos viram as suas famílias dilaceradas por questões de segurança e no passatempo de pornografia da internet descobrem outra criança por quem se apaixonam, em adultos, esta será chamada a viver no seu mundo como Órix, só que a desilusão de Crex com a humanidade leva-o a criar um ser perfeito e a destruir a espécie humana, deixando Jimmy a tarefa de cuidar da sua criação no pós-humanidade, quando este adota o nome de Homem das Neves.

A narrativa passa-se no período pós-humanidade, onde vemos a vida quotidiana do Homem das Neves, o sobrevivente da calamidade premeditada por Crex que protegeu apenas Jimmy, vamos então percebendo o seu papel de cuidador dos crexianos criados por Crex e a descrição destes seres perfeitos na ideia daquele, este presente é intercalado com as memórias da sua vida anterior dentro dos grandes espaços dos privilegiados, descrição dos produtos destas empresas: géneros alimentares altamente processados e geneticamente modificados, drogas para sensações de bem-estar além do natural e animais e plantas híbridos  para os fins mais diversos. Neste mundo, os dois amigos têm como passatempo a internet, com jogos e onde se percebe a vida miserável e violenta nas plebelândias.

É um romance ao mesmo nível dos de ficção distópica do futuro da humanidade na Terra como "1984" e o "Admirável Mundo Novo", Órix e Crex mostra o caminho arriscado atual da humanidade com a combinação da evolução tecnológica, o capitalismo desigual e o niilismo da sociedade, além do perigo de alguém genial se revoltar contra este mesmo mundo e intencionalmente o destruir e ainda como pode ser uma aberração querer criar algo perfeito com base em critérios humanos.

Esta obra foi uma das mais marcantes que li na minha vida e nesta releitura voltou a despertar-me os mesmos sentimentos da primeira vez. Tinha a curiosidade de perceber como seriam traduzidos os neologismos de Atwood para nomear todas as criações e tecnologias colocadas em obra e confesso que os tradutores foram brilhantes e conseguiram passar para a língua lusa a genialidade da escritora.

Antes li os três volumes da trilogia com intervalos de largos anos, pois não foram publicados em anos consecutivos e tinha de os encomendar no estrangeiro, perdi então alguns pormenores de ligação e continuidade na série, dado que esta obra não perdeu a frescura da primeira leitura, nem se desatualizou nos alertas que deixa, optei agora pela releitura dos três romances de forma consecutiva e em português, tendo já iniciado o segundo que sei mostrar a vida numa plebelândia.

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

"Less" de Andrew Sean Greer

 

Li "Less", a minha estreia absoluta no escritor norte americano Arthur Sean Greer. Um romance que venceu o prémio literário Pulitzer e Northern California Book Award, que a juntar ao facto de parecer um livro cómico, me conduziu à minha escolha de leitura na visita à biblioteca pública João José da Graça, na Horta.

Arthur Less é um escritor inseguro da sua qualidade literária, um pouco desenquadrado da realidade e homossexual. Ao aproximar-se da data do seu aniversário dos 50 anos, teme a velhice e recebe um convite para o casamento do seu anterior parceiro. Para fugir às bodas, decide então participar num conjunto de eventos e torno do mundo: México, Itália, Alemanha, França, Marrocos, Índia e Japão. Neste périplo tropeçará na sua insegurança e medos, estes criarão situações complicadas, por vezes hilariantes e fá-lo-ão recordar a relação que teve com um poeta, bem mais velho e famoso, que se separou da mulher para viver com ele, mas que a ela voltou e são os três amigos, as memórias do seu último namorado, bem mais novo que ele, que está em vias de casar. Na viagem quase se apaixonará de novo, cometerá várias gagues de traduções, será homenageado e terá estranhas experiências em culturas diferentes. Ocorrências por vezes cheias de humor, outras sentimentais e até tristes... ao voltar de novo a casa, estranhamente, o seu o amor espera por ele.

Fácil de ler, com várias referências artistas de renome é uma obra sobre os medos do envelhecimento e o receio que este seja uma fase sem amor, de solidão e exclusão. Não sei se a orientação sexual do protagonista pesou mais nos prémios se o conteúdo da história. Uma obra simpática e sem preconceitos.