Citações
"Se muita gente disser ao mesmo tempo o inaceitável, o inaceitável tornar-se-á aceitável."
"As redes sociais apelam à raiva, à indignação, à fúria justiceira."... "Os algoritmos não estão preocupados com a verdade nem sequer sabem o que é isso. São amorais."... "todo o sistema está montado para privilegiar a emoção e a falsidade."
Apesar dos romances do jornalista José Rodrigues dos Santos tenderem a ser atualmente dos mais vendidos em Portugal, do seu sucesso internacional e de muitas vezes ele ser designado como o "Dan Brown português", apenas dele li os dois volumes da biografia romanceada de Calouste Gulbenkian, e mesmo tendo em conta a pressão negativa contra ele de certa franja política, logo que em pré-lançamento percebi o tema que ia ser focado nesta ficção de espionagem e suspense: o modo como Putin está a implementar a sua estratégia de destruir o ocidente democrático e de dominar a Europa, baseado em factos verdadeiros, quis ler "O Protocolo CAOS".
A obra possui três histórias diferentes que se alternam ao longo do livro: 1. os acontecimentos que levaram ao recrutamento do tenente Chernyshev para os serviços secretos russos (FSB), a sua aprendizagem para interferir no Brexit, na eleição de Trump e na recusa da sua derrota; 2. a situação angustiosa da vida de Roderick na Louisiana, a opressão imposta pela cultura woke, a sua apresentação às redes sociais e o modo como é por estas manipulado pelo FSB para se tornar num incondicional apoiante de Trump; e 3. como o "detetive" Tomás Noronha se torna alvo de chantagem russa e tem de trabalhar para o FSB, enquanto tenta reconciliar-se com a esposa ao colaborar com a Amnistia Internacional em casos desastrosos gerados pelas redes sociais: a propagação do vírus Zika no Brasil e a perseguição da etnia Roinga no Myanmar. No fim, as três narrativas unem-se e evidenciam como a humanidade está a ser afetada pelas redes sociais e como estas estão a ser usadas pelo regime russo para dominar o mundo democrático.
O texto da narrativa é escorreito, mas literariamente pobre, sem grande recursos estilísticos e os que usa são banais. Cada capítulo termina deixando o leitor surpreendido e em suspense, uma técnica que o prende, mas a obra vale sobretudo pela denúncia clara da manipulação personalizada das pessoas que usam as redes sociais e mostrar como Putin interferiu no Brexit e fez ascender Trump ou por responsabilizar redes sociais do genocídio dos roíngas e na campanha anti vacinas no Brasil. Várias personagens do romance são marionetas manipuladas, executantes acríticas de uma estratégia de que são alheias ou vítimas inocentes.
Perto do final do romance, este torna-se quase uma exposição jornalística de vários aspetos preocupantes em torno de Trump a que se segue uma Nota Final explicativa dos factos reais que suportam as histórias e da forma como é construída a narrativa de Putin e a sua estratégia de destruir a Europa e fazer colapsar os Estados Unidos com os valores do ocidente: a democracia, a liberdade e com a ferramenta das redes sociais.
Em determinados momentos sente-se a influência de Timothy Snyder, que é citado na bibliografia final, e para quem leu este livro, percebe como esta obra vai no mesmo sentido. Todavia, Rodrigues dos Santos, talvez por ser ideologicamente liberal, e ao contrário da caricatura à cultura woke, para a ascensão de Trump e vitória do Brexit nunca culpa a ganância sem amarras dos mais ricos no capitalismo, nem os efeitos da deslocalização de unidades fabris pela globalização que gerou estagnação e pobreza da classe média das zonas industriais do século XX nos países economicamente desenvolvidos.
Em resumo: apesar de não considerar que se esteja perante uma obra de ficção com grande qualidade literária e de não cobrir todos os aspetos que estão a instabilizar o ocidente, vale a pena ler este romance pelo aspetos que denuncia, isto enquanto ainda é possível viver em democracia e liberdade no ocidente.