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sábado, 6 de abril de 2024

"O Evangelho segundo Jesus Cristo" de José Saramago

 

Citações

"Quando chegará, Senhor, o dia em que virás a nós para reconheceres os teus erros perante os homens."

"o homem só é livre para poder ser castigado"

"Então o Diabo disse, É preciso ser-se Deus para gostar de tanto sangue."

Tenho um grande respeito pela liberdade de criação artística e uma aversão enorme a qualquer tipo de censura pública religiosa ou política no campo das ideias ou das obras criativas das pessoas, mas confesso que a força das minhas convicções religiosas levaram-me a adiar mais de 30 anos a leitura de "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" de José Saramago, um dos meus escritores favoritos, português e laureado com o Nobel da literatura. Agora, numa fase de agnosticismo e de uma intensa revolta com a vida, aventurei-me, finalmente, a ler este romance, que mereceu grandes elogios por uns e indignação e contestação de outros.

A obra procura apresentar uma biografia alternativa de Jesus Cristo, sem preocupações de rigor histórico, é um romance de ficção, embora este aproveite e reescreva muitos dos episódios narrados nos evangelhos, vistos por um narrador omnisciente que acompanha o protagonista desde o momento da anunciação a Maria da encarnação deste filho, passando pela infância dele e aspetos da família de Jesus e com grande especulação sobre José. Depois prossegue com a saída de Jesus de casa e recria uma vida social e privada deste, incluindo sua comunicação com o Diabo e Deus-Pai, e a sua relação com Maria Madalena, os apóstolos até ao cumprimento da sua missão na cruz.

Por norma todas as situações são complementadas com comentários e apreciações do narrador num tom sarcástico ou irónico típico de Saramago, que subvertem em muitos os aspetos das bondade do Criador da sua justiça e amor deste para com os homens, por vezes são provocadores e podem mesmo ser incómodos para um crente que aceita a doutrina cristã sem espírito crítico. O autor não é mesmo nada complacente com a pregação da moral e doutrina católica.

A escrita e forma é a típica de Saramago e é conhecida, a vida de Cristo e a perspetiva messiânica são de facto reescritas neste livro, sendo que as alterações biográficas bem menos subversivas que o papel atribuído a Deus sobre o controlo da humanidade. Gostei de ler, mas não deixa de ser uma obra em que o autor assume confrontar a visão do Criador dada pelo cristianismo. Valeu talvez a pena esperar estes anos para ler este romance e entendê-lo sem me chocar e despojado do peso de uma fé acrítica.

4 comentários:

Pedrita disse...

é o livro que menos gosto do autor, religioso demais. não sei se o protagonista da obra tem uma história com rigor. acho que foi muito transformada pra atender a interesses. então qq liberdade poética ou não poética é válida. mesmo assim é religiosa demais na obra. pela polêmica que sofreu, esperava bem mais ousadia. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Não tenho complexos em ler livros com visões religiosas ou anti, muito menos agora, a vida de Jesus levou alguns retoques no romance face aos evangelhos canónicos, mas daí não muda radicalmente o essencial, o que é pura criatividade ao serviço da mensagem de um deus ávido de sangue e sem amor são os diálogos diretos de Jesus com o Pai e estes são pura imaginação do escritor e fundamentam a última frase do filho no livro que é oposta a dos evangelhos.
Quanto ao seu preconceito de livros com cariz religioso, senti isso quando comentou o livro, ensaio, "Homo Deus", que não tem mesmo nada de religioso, apenas cola o conceito de agente criador como um atributo de deus para demonstrar que o homem com recurso à ciência e tecnologia usa esse atributo... eis um ensaio importante para a compreensão do efeito da tecnologia no pensamento humano e no seu modo de agir arriscado onde a palavra deus não é religiosa.

Pedrita disse...

sim, qd a pessoa é religiosa, acaba tendo uma visão parecida dessas obras. tendo uma identificação. nesses dois casos de pessoas cristãs, q acreditam em cristo. então essa percepção fora da religiosidade não fica percebida, pq é o universo do leitor. como eu não tenho essa visão. achei saramago cristão demais pra escrever algo que não é revolucionário. mas para um cristão, sim, pode ser q o ache herege pelo teor religioso. eu vejo de outra forma pq não é meu universo.

Pedrita disse...

boa tarde carlos, espero q esteja tudo bem com vc e sua família. eu falei de livro no meu blog.