Acabei de ler o livro "Watt" do irlandês, laureado com o prémio Nobel, Samuel Beckett. Como já conheço outras obras deste autor, tanto de teatro como romance, já sabia que era um escritor com narrativas de situações absurdas a que se junta uma escrita criativa, aspeto que o distingue em muito de Kafka: onde há uma evolução consistente dentro de uma realidade estranha e um texto sem experimentações livres da sintaxe ou da morfologia.
O romance tem 4 partes. A primeira começa a assemelhar-se a um ato de teatro com diálogos como uma encenação que introduz Watt a partir de um banco de jardim de onde as personagens o estariam a ver carregado de bagagem e fora de cena. Os primeiros pormenores absurdos já despontam aqui. Segue-se a viagem de Watt num comboio com outra personagem e um diálogo estranho, depois a descrição do percurso a pé até a casa de Knott e a sua entrada nesta onde ouve o empregado que está de saída que ele vai substituir e o absurdo vai num crescendo.
O segundo e terceiro capítulos descrevem a vida e as observações de Watt como serviçal e em duas posições distintas. Tomamos conhecimento das rotinas em casa de Knott, que nunca intervém, e dos seus absurdos associados e de todas as combinações possíveis, envolvendo personagens estranhas, para assegurar tais tarefas por tempo indeterminado.
A quarta parte corresponde ao fim da estada em casa de Knott e o regresso à estação de comboio e o absurdo intromete-se na sequência dos acontecimentos. Há ainda uma adenda com complementos a parágrafos ou situações respeitantes aos anteriores capítulos que não acrescentam nada de lógico.
Enquanto se avança no livro, a liberdade criativa da escrita aumenta, juntando ao absurdo variações da mesma, ora ao nível de articulações das frases, ora de situações, ora de combinações e repetições (por vezes de grande extensão) e também a organizar o texto em forma de pauta polifónica, em verso e, nalguns casos, com omissões e erros que se percebem ser intencionais.
Existem momentos hilariantes, outros monótonos e até mesmo irritantes. Uma tristeza que atravessa toda a obra, quer pela solidão e pobreza de Watt, quer pelo desencontro de personagens e ainda em virtude destas frequentemente serem portadoras de alguma deficiência: física, psicológica ou carência emocional e financeira que as torna feias, porcas, mas não más.
Um livro bem diferente, por vezes divertido, mas noutros de difícil leitura cujo absurdo o torna incompreensível. Diz-se que Beckett usou a escrita criativa de Watt como uma forma de escapar à loucura quando estava escondido do nazismo em França. Contudo, eu não consegui parar de ler e diverti-me muito em alguns momentos da narrativas, noutros foi mesmo sofrido.