Citação
"Uma pessoa nunca acaba de ler, embora os livros acabem, da mesma maneira que uma pessoa nunca acaba de viver, ainda que a morte seja um dado certo."
"Putas Assassinas" é um livro com 13 contos do escritor chileno Roberto Bolaño, de quem só tinha lido, há muitos anos, o romance que foi um sucesso de vendas quando publicado no início deste século: "2666", que deu a conhecer a todo o mundo este autor já pouco depois da sua morte.
Nestes contos sente-se a a referência frequente a aspetos autobiográficos do escritor, que parece ser o narrador de quase todos eles. Assim, temos relatos com a família na cidade México na sequência da fuga desta do Chile devido ao golpe de estado que derrubou Allende. Há textos com acontecimentos intercalados com reflexões pessoais sob a vida difícil dos poetas e escritores chilenos de esquerda devido à perseguição da ditadura. Em três contos acompanhamos a vida errante de B em vários locais da Europa, nomeadamente Barcelona, onde Bolaño viveu grande parte da sua vida. Temos narrativas que são contadas a ele de experiências passadas por outros refugiados. Os contos sobre terceiros são autênticas descidas ao inferno negro no mundo da prostituição, pornografia e até abusos, não sexuais, de crianças na Índia associados a ritos e crenças religiosas. Certos contos são de uma negritude extrema mas com uma escrita cativante que mesmo no relato do horror dá prazer ler o texto. Não sei se muitas dos nomes referidos nos contos são poetas reais ou ficcionais, mas o conjunto dá a conhecer a dificuldade deste tipo de autores, onde muitos passam incógnitos e com dificuldades pela vida literária, numa luta pessoal pela sobrevivência artística e individual.
Gostei do livro, alguns contos tocaram-me mais do que outros, por vezes existem referências a atos de depravação sexual e uso de termos grosseiros associados, mas nada de erótico, apenas um retrato duro e difícil da vida porque muita gente passa sem o autor fazer uma abordagem moral do assunto. No campo político, a obra é marcadamente de esquerda e honra as vítimas das ditaduras na América hispânica e embora o autor dê a entender que o seu poeta de eleição não seja Neruda, esse surge como um farol no Chile.