Regressei ao escritor que descobri e me cativou intensamente no ano passado: o espanhol Javier Marías. Agora li o seu último romance escrito antes do seu recente falecimento: "Tomás Nevinson". O título é o nome de uma personagem importante da anterior: Berta Isla, e este o da principal narradora desta obra, de quem Tomás era o marido, embora houvesse partes significativas também contadas por este e apesar da maioria da sua vida ao longo da duração do romance nos ser intencionalmente escondida. Confesso, que foi a curiosidade do ocultado que me levou adquirir este último para descobrir o que não fora relatado, só que a obra é uma sequela, continuando omissos os casos em que este narrador antes se envolvera.
Após tomar a decisão de abandonar a carreira nos serviços secretos ingleses sob as ordens de Tupra no fim do livro anterior, Tomás regressou ao trabalho oficial na embaixada e aproximou-se da mulher, sente agora os prazeres da vida comum, mas ficou-lhe o saudosismo dos tempos de ação à margem da lei e do conhecimento público e reflete sobre os males maiores que evitou com os seus atos ilegais. Mas Tupra volta a aliciá-lo para descobrir uma terrorista corresponsável de um atentando sanguinário (evento real) que se suspeita ser uma de três mulheres de passado desconhecido que vivem numa cidade nordeste de Espanha. Cede e, disfarçado de professor de inglês, aproxima-se destas, mas as dúvidas são muitas sobre qual delas é responsável de tantas mortes e as questões morais sobre a oportunidade de eliminar ou não alguém errado antes que esta possa matar de novo levantam-se. Houve quem teve a hipótese de disparar contra Hitler antes do mal que fez, será ético agir erradamente por precaução?
Este romance continua a misturar factos reais e ficcionais, bem como a levantar questões morais e éticas dos atos à margem da lei para evitar males maiores, e ainda a manter uma exposição de particularidades linguísticas que distinguem o inglês do espanhol para qualificar situações, pensamentos e comportamentos numa escrita sem pressa e cheia de sinónimos e adjetivos que criam extensos parágrafos onde se comparam expressões para referir os aspetos em discussão e, nisto, é um Javier Marías típico. Embora haja referências e menções a momentos retrospetivos relatados noutros romances do autor e repetição de personagens que já haviam surgido em O teu rosto Amanhã publicado décadas antes, esta obra pareceu-me menos perturbadora e com um desenrolar temporal mais linear e fácil de seguir. Gostei muito, mas tirando a surpresa de não descobrir as partes que buscava, não me provocou nenhum murro no estômago como outros que li dele, mas continuo fã e interessado em descobrir mais da sua obra.