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terça-feira, 28 de junho de 2016

"O Que Diz Molero" de Dinis Machado


"O Que Diz Molero", o originalíssimo e famoso romance de Dinis Machado, foi uma das obras de maior sucesso de vendas no último quartel do século XX em Portugal e rapidamente traduzido para vários países da Europa, de facto não conheço nenhum livro que lhe seja semelhante.
Dois homens, Austin e DeLuxe, dissertam ao longo de todo o romance com base no relatório de Molero relativo à investigação que lhe fora encomendada sobre a vida de uma personagem: "o rapaz", que nasceu num bairro popular de uma família problemática, cresceu na rua como gaiato cheio de aventuras com os seus pares e depois correu continentes dissertando sobre Miró, amando inúmeras mulheres, produzindo poemas e em busca da palavra, da arte literária e talvez de um motivo para a sua existência ou de conseguir produzir uma obra maior que o tornasse merecedor de uma estrela na constelação celestial dos grandes artistas  e pensadores da história da humanidade.
Apenas há a dissertação dos dois intervenientes numa sala e conduzida por Austin, sempre fundamentada no relatório de Molero, onde constam aspetos concretos e reflexões e interpretações sobre o rapaz. Isto feito através de uma escrita com poucos parágrafos, estes por vezes distam várias páginas e mesmo assim num texto cheio de criatividade e de descrições, por vezes hilariantes sobre os acontecimentos vividos pelo rapaz, o único não merecedor de um nome ou alcunha. Existem passagens de uma hilaridade tal que se tornam difíceis de ler, tal o gozo que provocam nos relatos as tropelias e maldades dos intervenientes, sobretudo os miúdos de rua no bairro, mas descritos com um seriedade estóica com base no relatório o que lhe dá um tom quase científico. Outros partes com reflexões sobre a arte, sobretudo a arte da palavra e do cinema, têm um ambiente mais etéreo de criação literária, com frases que alimentam um exposição surrealista, simbolista, mas intercalada com extensos pormenores triviais o que dá uma configuração estranha ao texto.
A verdade é que este romance é um murro de escrita criativa cheio de paródias expostas de uma forma séria, nostalgia sobre algo que talvez não exista e um humor requintado e culto que por vezes toca o sentimentalismo animal e outras num romantismo quase religioso, mágico e ascético. Todavia só é uma obra fácil para quem está habituado a ler e se diverte com a arte de brincar com a escrita.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

CONTOS - Volume I Tchékhov


Acabei de ler o primeiro volume de uma extensa série de livros de uma coleção que procura reunir os Contos de Tchékhov, tendo também sido esta a minha entrada neste escritor famoso pelas suas curtas narrativas.
Para já Tchékhov apresenta nesta tradução direta do russo uma escrita muito límpida, que apesar de simples, consegue exprimir e descrever com uma grande intensidade e pormenor sentimentos, personagens, paisagens, cenas e tensões sociais.
A generalidade dos contos não têm finais felizes, antes denunciam problemas de injustiça e condutas desviantes dos protagonistas que acabam mal que mostram os problemas da sociedade russa altamente estratificada do século XIX. Contudo, pela estética do texto, estas histórias curtas e tristes não deprimem o leitor, antes pelo contrário, o escritor soube temperar com a quantidade certa de ironia e sarcasmo para que se tire prazer da leitura enquanto o coração vai descobrindo o retrato amargo que está a ser exposto e a beleza do texto permite ainda desfrutar com gosto a leitura.
Tchékhov tinha uma grande sensibilidade para a métrica nas suas narrativas, por isso tem-se a sensação plena de contos com a extensão exata e necessária para se expor a história sem sentir que a mesma acaba demasiado depressa ou se estende por palavras a mais e isto mostra a genialidade literária do escritor neste género de escrita. Gostei muito e recomendo a qualquer leitor.

terça-feira, 21 de junho de 2016

Férias: Roma o regresso à cidade Eterna

Roma vista da cúpula do Vaticano

Uma revisita a Roma, esta cidade fascinante no trajeto de regresso, talvez a cidade com maior riqueza patrimonial de valor artístico do planeta, falei de Roma quando da anterior visita em 2009 aqui e aqui. Desta vez não penso passar grande tempo em museus e templos, apenas se possível saborear e observar a vida em Roma, pode ser que me surpreenda agora de um modo diferente, o que uma exploração muito programada não permitia.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Férias: Pozzuoli a cidade no vulcão que sobe e desce Campi Flegrei




Hoje é o dia de visita a Pozzuoli, uma antiga cidade à beira-mar, anterior ao Império Romano a oeste de Nápoles, com muitos património da antiguidade, que se situa dentro de uma caldeira costeira, parcialmente submarina de um grande vulcão: Campi Flegrei ou Campos Flegreanos, é mais um dia que junta férias e geologia.
Tal como acontece em muitos edifícios de vulcões ativos, estes tem a particularidade de ao longo do tempo se deformarem, havendo zonas que ora sobem ou descem, cone vulcânico como que "incha" ou "encolhe", inflação ou deflação, em função de movimentos do magma sobem ou descem dentro do edifício. Ora como esta caldeira se situa na costa parte dos edifícios costeiros e o porto ficam expostos a serem ora galgados ora a assistirem ao recuo das águas, transgressão e regressão, assim com o decurso dos anos, as ruínas romanas da foto que foram construídas em terra, já estiveram parcialmente submersas e agora estão emersas e bem acima da água, mas com sinais de erosão marinha, tal como já ocorreram portos que ficaram acima ou submersos pelo mar.
Em torno desta cidade existem ilhas resultantes de cones vulcânicos dentro da caldeira mas dentro do mar, bem como zonas dispersas com fumarolas, a mais conhecida é Solfatara, algo do género do que se observa nas Furnas em São Miguel e onde também se fazem cozidos enterrados no solo.
Pozzuoli é rica em piroclastos vulcânicos com grande percentagem de sílica, composição química que os romanos descobriram servir para produzir uma argamassa útil à construção civil: cimento (concreto no Brasil). Esta matéria-prima tem agora o nome de pozolana devido ao nome desta cidade, e muita da grandeza arquitetónica do Império Romano resulta desta descoberta, sendo o Panteão Romano o exemplo máximo da antiguidade do engenho do homem na construção de um grande monumento com cimento.
O mesmo observatório que acompanha a atividade do Vesúvio também monitoriza o vulcão de Campi Flegrei e sem dúvida esta é uma cidade muito exposta aos riscos vulcânicos e uma erupção deste pode igualmente afetar significativamente Nápoles, embora pelo impacte paisagístico do Vesúvio popularmente poucos de lembram que os Campos Flegreanos constituem um dos complexos vulcânicos mais perigosos da Terra. 

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Férias: Pompeia - A cidade luxuosa soterrada pelo Vesúvio


Hoje é o dia que dediquei à visita da cidade de Pompeia que a erupção do Vesúvio no ano de 79 DC soterrou  completamente e está hoje a ser exposta através de escavações arquelógicas que mostram aos visitantes a dimensão, a riqueza e o estilo de vida desta povoação de luxo, onde muitos romanos ricos vinham então passar períodos de repouso tal como hoje o fazem em muitas estâncias de férias.
Desta erupção resultou um texto com uma descrição de grande pormenor feita por um observador atento: o filósofo Plínio o jovem; Plínio o Velho, seu tio, foi então uma das vítimas do Vesúvio, o que permitiu aos geólogos saberem com grande pormenor o evoluir dos acontecimentos  e caracterizar o estilo eruptivo com um nome em honra deste sábio: Atividade Eruptiva do Tipo Pliniano, uma das mais perigosas pelas explosões que tem associadas e projeção de piroclastos quer sob a forma de queda de pedra-pomes ou de cinzas, quer sob a forma de escoadas piroclásticas de grande velocidade dos mesmos materiais capazes de soterrar vastas zonas, em Pompeia muitas das vítimas vaporizaram-se pelo calor, mas deixaram os moldes na cinza vulcânica e são hoje um dos elementos observáveis na estação arqueológica que é Património da Humanidade
Recordo que no Faial a formação da Caldeira resultou de uma erupção do tipo Pliniano que descrevi neste post no tempo em que este blogue dedicava grande parte da sua temática à Geologia.
Para esta cidade em concreto, fica abaixo um filme das suas últimas 24h e dá para perceber não só a erupção que num dia destruiu Pompeia, como compreender o facto de a mesma ter ficado perdida até ao século XVIII, quando ocasionalmente foi redescoberta.



Se não visualizar o vídeo no post, observe no Youtube aqui
Espero ter possibilidade de ainda postar fotografias do que observei no terreno nestas férias em Pompeia.

terça-feira, 14 de junho de 2016

Férias: Nápoles Campânia - Primeiras Impressões


Após um primeiro impacto de a cidade me ter recebido sujíssima ontem, durante a noite Nápoles limpou-se e hoje tem sido uma surpresa agradável.


Famosa pelo seu Bairro Espanhol, um género de Bairro Alto, mas muito mais extenso, abundam ruas estreitas, lambretas, roupa a secar, portas despudoradamente abertas para a moradias do rés-do-chão.


Espaço de venda de tudo espalham-se pelas ruelas e o trânsito é do desenrasca, sinais e peões são objetos a contornar com perícia, mesmo assim parecem evitar chocar com as pessoas, mas passeios e tudo mais são espaços a transitar e passadeiras e semáforos são decoração a ignorar.


Monumentos não abundam, Castel Nuovo, Palácio Real, Duomo com o tesouro de São Januário e o seu sanguem que liquefaz-se em dias específicos e o interior luxuoso de Jesus Novo, quase esgotam uma cidade densamente povoada, barulhenta e castiça tem um ambiente muito diferente da luxuosa Milão ou da monumental Roma e Florença, mas vale a pena a visita.


Ainda houve tempo para sair de Nápoles e visitar Herculano, soterrada por escoadas piroclásticas que preservaram muitas casas na erupção do ano 79 do Vesúvio, vendo-se ainda tetos, madeiras e até uma fornada de pão fossilizados.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Férias: Campânia e Nápoles - na rota dos vulcões

Nápoles com o Vesúvio ao fundo - imagem Wikipédia

Estou de férias e novamente a minha opção de viagens recaiu na Itália, desta vez uma visita ao sul de Itália: Nápoles, a cidade à sombra do vulcão Vesúvio, capital de reino durante séculos, com um património histórico rico e famosa pelo seu ar latino, bairros populares de aspeto decadente e baía aberta ao Mediterrâneo.
Todavia, desta vez  a escolha privilegiou o património natural dos vulcões e dos seus perigos: Vesúvio que ameaça Nápoles e sobretudo pretendo visitar Pompeia, a cidade soterrada por uma erupção no ano 79 DC e hoje um local arqueológico de excelência e Património da Humanidade da Unesco; a cidade de Pozzuoli, situada dentro de uma cratera do supervulcão ativo Campi Flegrei e o conjunto de fumarolas de Solfatara pertença deste mesmo complexo vulcânico.
Se as condições o permitirem uma viagem pela costa Amalfitana da província de Salerno, debruçada sobre o mar Tirreno e também património da humanidade.
À medida que tiver tempo e internet disponível, espero atualizar os posts agendados sobre estes locais.

sábado, 4 de junho de 2016

"Vinte e Quatro Horas da Vida de Uma Mulher" de Stefan Zweig



"Vinte Quatro Hortas da Vida de Uma Mulher", do austríaco Stefan Zweig, é uma pequena novela que evidencia como uma situação, não preparada, nem intencional, pode levar a comportamentos repentinos, socialmente criticáveis e ostracizantes, mas onde uma mente aberta e compreensiva é capaz não só de entender, como até de não deixar afetar o seu relacionamento com que assim age. Há sentimentos por vezes mais fortes que a razão que fomentam a loucura e marcam uma pessoa e, em simultâneo, correspondem até ao ponto mais alto da vida e aquele por qual valeu a pena viver.
Uma escrita muito elegante, tal como o meio social onde o enredo se passa, a trama principal é uma narração em estilo de confidência em primeira pessoa, despoletada por uma crítica social e coscuvilheira sobre o comportamento de uma terceira pessoa. O texto evidencia uma mestria do escritor na  forma de descrever sentimentos e de expor a sua expressão psicológica e física.
Uma novela que se lê muito bem, tanto pela beleza da escrita, como pela elegância com que a história é narrada. Gostei muito e recomendo a qualquer leitor.

quarta-feira, 1 de junho de 2016

"Húmus" de Raul Brandão


"Húmus" de Raul Brandão é por muitos considerado como um dos livros mais marcantes e importantes da história da literatura de Portugal. Todavia é uma obra cujo género literário é quase impossível de caracterizar: não é uma obra de ficção, mas parte de um enquadramento e personagens ficcionadas; não é um ensaio filosófico, mas expõe uma sequência de reflexões que são encadeadas filosoficamente e seguindo uma via existencialista; o texto não é poesia, mas é trabalhado como se fosse um poema, embora também não encaixe bem no estilo de poesia em prosa ou de prosa poética; e sem dúvida mostra a genialidade do escritor em saber escrever e tratar a língua Portuguesa na escrita, senti inclusive uma proximidade à forma como Pessoa trabalha as palavras no "Livro do Desassossego".
A partir da descrição de uma pequena vila do interior, triste, insignificante e pacata, bem como do dia-a-dia dos seus habitantes mais idosos que já sentem o ocaso da vida, tristes, amargurados e sem perspetivas mas com passado; o protagonista, que por vezes discute consigo mesmo na figura de Gabiru, sente que a vida foi um engano ao concluir pela inexistência de Deus ou que este não está disponível para o Homem e deduz que foi pela força da morte que se moldaram as opções de vida.
Começa então uma sequência de raciocínios lógicos, amargos e existencialistas que evidenciam como as personagens da vila viveram reféns de regras para salvarem a sua alma e evitarem a morte na eternidade, chegando à velhice frustradas, rancorosas uma forma vã para conquistar a salvação de um Deus que provavelmente não existe ou não vê, nem ouve os gritos de sofrimento da Humanidade para lhe agradar: entre elas a mulher que acolhe a órfã para cumprir o seu dever, educa-a no seu lugar e esta engravida do seu filho; a outra, criada de esfrega com uma filha, que se une aos ladrões e na sua infelicidade cria um mundo fantasioso sobre a situação da sua filha; a moribunda que não quer morrer; até à descrição da inveja e fel que se instala entre os velhos cujo passatempo são as cartas e e se subjugaram a regras hipócritas para se socializarem mas que não vale a pena respeitar sem um Deus que compense esse sacrifício. A influência de Dostoievski torna-se evidente com a mesma conclusão deste: Sem Deus não precisamos de nos limitar nas nossas ações e não há limite para o mal que desejamos fazer.
Após duzentas páginas de revolta, eis que o livro dá uma grande volta e cheio de luz prateada perante uma reviravolta nas conclusões de Gabiru e o húmus que une a morte à vida na sequência do desaparecimento da sua esposa. Uma obra que em termos de escrita é uma jóia, mas muito difícil de se ler e só recomendo a quem gosta desta luta contínua de reflexões e revolta em estilo de ensaio filosófico, mas valeu a pena ler.