O romance do norte-americano John Irving "
As regras da Casa da Sidra" que acabei de ler, não sei se intencional ou não, apresenta um resumo, tanto no site onde comprei o livro, como no verso da capa deste, que se desvia em muito do cerne da questão principal levantada pela obra: o aborto pela livre escolha da mulher. Não importa se o leitor deste post é a favor da questão ou não, mas os vários episódios principais que marcam as personagens de um modo ou outro encaminham sempre o problema para esta questão ética.
Wilbur Larch jovem do Maine decide seguir medicina, na sua fase de viragem a adulto é-lhe ofertada pelo pai uma noite com uma acompanhante mais velha, depois conhece a filha, mais tarde já como médico e perante uma gravidez indesejada desta, ele recusa-se à interrupção, o que a conduz indiretamente à morte. Uma marca deixada pela mãe e o fim da filha levam-no a recolher-se num orfanato onde se torna no médico residente, viciado em éter, que estabelece uma rotina com os acolhidos e de onde dá plena liberdade às grávidas que ali se dirigem para estas criarem um novo órfão, a acolher na instituição para adoção, ou de evitar um filho indesejado. Uma prática então ilegal, este agir leva a que o estabelecimento seja visitado por muitas mulheres e entre os bebés que acolhe afeiçoa-se a um: Homer, cujas peripécias o impediram de ser adotado. Wilbur ensina-lhe a sua profissão e torna-o num obstreta dotado de prática exemplar, mas que recusa o papel de Deus na decisão de uma vida. Um casal jovem, bonito e rico vai ao orfanato e recebe o jovem de igual idade para a sua quinta de maçãs e sidra. Começa então uma relação amorosa a três que mistura admiração mútua, desejo, respeito e transgressões, com tempo este órfão torna-se central na empresa, mas à distância o médico velho prepara o seu sucessor e sabe que só o seu educando pode ocupar aquele local e monta uma estratégia para o seu trabalho continuar.
A obra está escrita por vezes de uma forma crua, com tons científicos de práticas médicas, noutros está cheia de ternura, numa mostra de relações humanas onde se cruzam questões éticas e os instintos íntimos, redigido de uma forma elegante. Para mim a personagem principal da obra não é o protagonista Homer, mas sim quem o criou.
Sim, gostei muito do romance, que até no amor entre personagens principais cria situações incómodas para os princípios éticos de uma relação familiar, de amizade e amorosa, além de outras situações que perturbam o leitor, é sem dúvida um grande romance, inclusive no tamanho (750 páginas), bem escrito, com ironia e amargura temperada com questões de ética, carinho e paixão, que recomendo a quem o preconceito não se sobrepõe à questão ética que a obra aborda.