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segunda-feira, 7 de novembro de 2022

"O Guarani" de José de Alencar

Citações

"Não se pode viver somente de ódio e desprezo"

"De que serviria a existência se não fosse para satisfazer um impulso da nossa alma?"

Acabei de ler um dos livros clássicos da literatura brasileira: "O Guarani" de José de Alencar, um romance histórico, escrito em meados do século XIX, cuja a trama se passa no início do século XVII quando Portugal perdera a independência e ficou sob a soberania espanhola, um período em que a fidalguia no Brasil oscilava entre a fidelidade ao antigo reino lusitano ou ao domínio filipino.

António de Mariz, insatisfeito com o domínio filipino, decide isolar-se para o interior da floresta da Serra dos Órgãos com a família e um conjunto de serviçais que defendem e se envolvem na gestão da sua fazenda. Esta situa-se numa zona selvagem com indígenas não convertidos, mas é o seu domínio fiel a Portugal. Num incidente, o índio Peri salva a sua filha Cecília e o fazendeiro agradecido acolhe-o, depois o salvador, por paixão, dedica-se de todo à moça para descontentamento da mãe desta e de sua meia-irmã. Paralelamente, noutro acidente, o ilho Diogo mata uma índia, o que leva a uma ação de ataque revanchista da sua tribo, enquanto um dos guardas de Mariz, ex-monge renegado por ambição de riqueza, também se apaixona por Cecília e decide criar uma revolta para raptar a donzela e levá-la para uma mina de prata que só ele sabe o segredo da localização. No nestes perigos e paixões é Peri, o herói gentio, quem, com o conhecimento de sobrevivência na floresta e dedicação total à jovem, tentará, in-extremis, salvar a família e a jovem lutando o preconceito de uns e o ódio de outros em momentos de grande suspense e surpresa.

Trata-se de uma narrativa tipicamente do século XIX com cariz nacionalista, mas que prenuncia a literatura romântica. As personagens tendem a ser boas de todo ou completamente más, podendo evoluir de um campo ao outro. José de Alencar descreve com grande pormenor, abuso de figuras de estilo e em tom poético a floresta atlântica, os costumes indígenas, a subserviência religiosa e os preconceitos da época e da evangelização. A obra, que li em e-book, tem um conjunto de notas que explicam numerosos aspetos históricos, florísticos, faunísticos e dos costumes dos povos descritos na trama, o que enriquece em muito o conteúdo do texto sem o tornar fastidioso.

A história dá para compreender o contexto de comportamentos, hoje tido por errados, dos colonos de então, vivendo numa sociedade dominada por uma religiosidade exacerbada a enfrentar culturas animistas e representantes de um reino à conquista e em missão de evangelização destes povos pagãos que viviam livres nos seus domínios há séculos, um choque cultural semeado de preconceitos que José de Alencar procura subtilmente denunciar enquanto eleva a dignidade do índio. Todavia o romance também é escrito numa época em que não a de hoje, a sociedade não era ainda tão laica, nem liberta de muitos desses preconceitos, além de regida por uma castidade aguerrida e dominada pelo masculino, sendo evidente o esforço de equilibrar e justificar a crítica perante a moral e ética aceite no século XIX, daí a riqueza cultural desta obra que a transforma num clássico e permite a reflexão sobre o passado. Fácil de ler, gostei e por isso a recomendo a qualquer leitor.

3 comentários:

Pedrita disse...

bela capa. tinha certeza q tinha lido e acredita q nao? eu gosto muito da ópera de carlos gomes sobre essa obra. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Este ebook é mesmo uma edição brasileira, eu não fazia ideia da trama, embora soubesse que envolvia um herói índio e uma mulher branca cujo enredo virara a ópera. Penso que deve ler a obra, até porque tem muitos pormenores não passíveis de estar incluídos na adaptação operática.

Kelly Oliveira Barbosa disse...

Que bom que leu, também penso em ler esse clássico em breve.