Tentei ler o romance "Ulisses" do irlandês James Joyce, considerado um marco na literatura contemporânea pela sua forma revolucionária de escrita e o recurso ao fluxo da consciência, obra que este ano celebra 100 anos de publicação.
O romance não tem um enredo linear, vai narrando cenas que decorrem ao longo de um dia desde o pequeno almoço (sabe-se ser 16 de junho de 1904) de várias personagens que se cruzam em Dublin por serem colegas, partilharem espaços comuns ou irem a acontecimentos ao longo de 24h e termina na madrugada seguinte. Entre as várias personagens, Harold Bloom é a mais presente e por isso o protagonista da obra, sendo em torno dele quem o texto mais se centra e na sua vida pessoal, nomeadamente a sua mulher soprano que o trai. Há personagens que surgem em várias momentos diferentes e outras são meros aparecimentos acidentais neste percurso. Na primeira centena de páginas ocorrem cenas de preparação do pequeno almoço, passeio por uma praia, ida a um talho, entrada numa igreja, participação num funeral de amigo, discussão na redação de um jornal, entrando nós nas reflexões pessoais da personagem central da cena e de outras, bem como de acontecimentos lhe vêm à memória ou discussões sobre o relacionamento da Irlanda e sua sociedade com o Império em que ainda estão integrados.
A escrita flui à semelhança do dia, ora descrevendo o meio, ora expondo as reflexões, ora entrando nas memórias, ora expondo diálogos e muitas vezes com referências bíblicas, aos clássicos da Grécia antiga, às obras de Shakespeare ou a factos históricos. Ao longo do parágrafo pode ocorrer mudanças bruscas mesmo de sujeito, de tempo ou de assunto em sequência onde o leitor se pode perder e reencontrar, ou não como me aconteceu por vezes ou referências a outras momentos do texto.
Assumo, gosto de obras desafiantes difíceis e várias delas até me cativaram e me marcaram e me divertiram, como "O homem sem qualidades" de Musil, o conjunto de "Em busca do Tempo Perdido" de Proust, ou "A Piada Infinita" de Foster Wallace e até mesmo "A divina Comédia" de Dante, entre outros. Em todos os livros que acabo de citar entrei com medo e depois cativaram-me, mas este Ulisses não. Não sei se mais tarde darei continuidade à leitura e possa algum dia vir a tirar gozo da leitura deste romance, para já não tirei qualquer prazer, nem interesse. Motivos suficientes para interromper na página 168 quando ainda faltavam outras 562, não me submeto aos críticos da literatura que endeusarem esta obra, não estava a gostar minimamente e pronto.
Não recomendo a quem goste de apreciar uma história ou uma escrita agradável pela sua elegância e poesia. Salvou-se a capa desta edição que para mim é linda.
7 comentários:
Uma pergunta e uma observação: também li, na tradução de João Palma-Ferreira, e naturalmente há muita frustração para quem lê. Pergunto-me e pergunto-lhe: não será melhor tentar lê-lo no original?
Obrigado
https://abencerragem.blogspot.com/
Eu leio em inglês mas não domino tão bem a língua para num texto e narrativa deste género ser melhor para mim... mas pelo que li fiquei com a ideia que o tradutor fez um bom trabalho, já li algumas que era evidente que havia má tradução, não neste caso.
eu quero muito ler, mas ainda sem coragem. beijos, pedrita
Carlos, boa, boa, mas mesmo boa, foi a sua análise sem preconceitos sobre este celebérrimo livro tão endeusado por intelectuais e literatos. Não tenho o livro nem intenção de o ler, porque acho que a maioria das pessoas o começa mas não termina e uma obra, por muito considerada tem de dar prazer ao leitor. Atenção que não estou a denegrir a obra, pois por semelhante motivo também nunca li na totalidade Os Lusíadas e o Livro do Desassossego vou lendo aos poucos e até considero Pessoa o melhor poeta português o que também não é novidade nenhuma.
Joaquim Ramos
Curiosamente tanto nos Lusíadas como no Livro do Desassossego temos o mesmo histórico de leitura e atitude... mas neste último quando leio parte, não o livro de rajada, tiro prazer do texto na maioria das vezes, aquilo está magnificamente escrito e com beleza, a genialidade de Pessoa... em Ulisses praticamente cada parágrafo é uma experiência desagradável.
Não sou daqueles que considera que a obra de arte tem de ser sempre bela: Guernica de Picasso não é é admiro-a muito, agora também não tem de me torturar e eu submeter à tortura.
Mesmo assim admito que no futuro, outra disposição possa retomar a leitura e até vir a mudar de opinião, por agora não.
Fez bem em abandonar. A vida é muito curta para ler sem prazer nenhum.
Kelly
Há sacrifícios na vida que valem a pena por vários motivos, não num livro de ficção literária
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