Acabei de ler o romance "Yaka" do escritor angolano Pepetela. Este narra a vida da família Semedo de ascendência portuguesa desde o nascimento acidentado de Alexandre Semedo em 1890 até à independência de Angola em novembro de 1975, atravessando 5 gerações em torno de Benguela.
O romance tem como narrador principal Alexandre, um helenista filho de um exilado português, que conta toda a sua vida, a da sua família, a do estilo de vida dos colonos e das etnias do sul de Angola, e da cidade de Benguela, numa montagem que reúne a sua análise crítica politicossocial em resultado da sua troca de opiniões com as impressões que retira de uma escultura indígena "Yaka" guardada na sua casa. Deste modo se monta a história da colónia desde o final do século dezanove, ainda quando a metrópole era uma monarquia, se passa pela esperança da 1.ª república, à dureza da ditadura do Estado Novo, se desemboca na revolução do 25 de Abril e termina com o domínio local do partido MPLA imediatamente antes da independência e o início da guerra após a invasão da África do Sul como aliada da UNITA e feroz anticomunista.
O romance mostra o ambiente de guerrilha alimentado pela comunidade portuguesa que, apesar de ter livres pensadores humanistas no seu seio, permitiu que esta controlasse o comércio e expoliasse as populações autóctones dos melhores terrenos, tendo como suporte desta estratégia o regime governativo ao serviço dos lusitanos. Neste meio, o protagonista, um ser humanista e fascinado pela cultura grega, foi-se acomodando a esta gestão política que ele próprio rejeitava.
A visão apresentada é ocidentalizada e a análise crítica para o final do romance só considera como salvador o partido MPLA a que o escritor pertencia, todavia o livro vale por dar a conhecer as tensões que sempre subsistiram no terreno desde o século XIX, as suas causas e oportunismos, para melhor se compreender o que foi a vida nesta colónia. Não há uma apreciação isenta e justificativa das divergências entre partidos que lutaram pela independência que permita compreender porque Angola foi depois palco da guerra civil mais longa em África e sugada por um único partido que se transformou num sistema de capitalista centrado em nepotismo e corrupção.
A escrita é fácil, apesar dos numerosos vocábulos angolanos, há um pequeno dicionário no fim, e a própria narrativa não oral utiliza uma sintaxe distinta da que de Portugal e do Brasil. Um bom romance para compreender Angola, agradável em estilo de saga, o que permite ver a evolução dos tempos e a diversidade dentro de uma família e de uma comunidade colonial, onde os portugueses não ficam bem nos seus comportamentos coletivos, mas que consegue ser delicado para não se tornar num manifesto contra todos os lusitanos. Gostei.
4 comentários:
Nunca li nada do escritor angolano.
Foi um prazer ler a análise escrita pelo Carlos.
Quando visitava Portugal ofereciam-me ou eu comprava diversos livros de autores que escrevem na língua portuguesa.
E sabe-se lá, quando me é permitido visitar a cidade invicta. Nesta terça-feira, o governo alemão decretou um „lockdown“ muitíssimo mais rigoroso até fins de Fevereiro.
Já li 3 livros dele, um desiludiu-me "O quase fim do mundo", outro gostei muito e recomento "Geração da Utopia" e este que ouvi ser um dos melhores dele, gostei sobretudo entre 1890 e 1961, a última parte é de facto uma visão de um simpatizante do MPLA, lê-se bem, mas é um olhar parcial desta fase. Tenho um amigo que me recomendou ainda outro e já ouvi falar bem de mais outro, mas não me parece um escritor que mantém o mesmo nível em todas as obras.
Aqui no Faial a situação está relativamente controlado, um caso ativo de alguém que viajou ao exterior e está confinado. O facto de quem chegar ter de ser testado, por norma antes e depois ter de fazer 2.º teste ao sexto dia e o isolamento dado pelo mar tem permitido este controlo da situação.
fiquei curiosa. nunca tinha ouvido falar. beijos, pedrita
Nunca ouviu falar do autor ou do romance. Pepetela esta entre os 3 autores mais conhecidos de Angola desde a independência, foi inclusive prémio Camões. Para a literatura angolana por norma se destaca nos últimos tempos Agualusa, Ondjaki e Pepetela. Deste último já aqui referi e recomendo A Geração da Utopia, também misturando ficção com história mas muito mais profundo e isento que este.
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