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sábado, 17 de outubro de 2015

"O outro pé da sereia" de Mia Couto



"O Outro Pé da Sereia" de Mia Couto tem duas histórias ao longo do livro, intercaladas por capítulos que se cruzam no espaço mas estão distanciadas em 440 anos. A mais antiga em 1560 romanceia a vinda de Goa para Moçambique para a região do Zambeze do jesuíta Gonçalo da Silveira, personagem história tida como o primeiro mártir da evangelização portuguesa. A mais recente em 2002 numa aldeia da zona do martírio do missionário que se prepara e recebe um casal de afro-norte-americanos negros de uma ONG interessados em descobrir as feridas deixadas pela escravatura para compensar os descendentes de forma de aliviar a consciência de pertencerem a uma sociedade privilegiada mas onde são ainda alvo de preconceitos.
No relato histórico na linha condutora da narração denuncia-se o contrassenso na evangelização se aproveitar para implementar a exploração e escravatura dos africanos, mostrar a coexistência do cristianismo e das crenças animistas que levam a conversões em sentidos contrários de ambos os lados, pondo a nu o conflito de interesses e o choque de culturas.
A estória que decorre no século XXI, parodia os complexos de culpa e de indemnização dos descendentes africanos em estados ricos, como o aproveitamento de populações negras que exploram a situação e criam casos para justificar apoios e, em paralelo, são usadas memórias e uma imagem de Santa de 1560 e outros dados posteriores como meio de denuncia de injustiças históricas enraizadas em Moçambique e onde muitas vezes foram os seus habitantes os exploradores de si mesmo.
O romance tem duas escritas, a do relato histórico, em estilo de crónica romanceada com um português escorreito e a do romance neste século, onde Mia Couto utiliza a sua técnica de criação de palavras e parafrasear provérbios para construir a sua paródia e cultivar subtilezas irónicas que caracterizam o seu estilo. No conjunto é um romance divertido e triste, onde as feridas do colonialismo e da guerra fraticida brotam como pistas para reflexão e conhecimento dos problemas na sociedade moçambicana atual. Gostei.

4 comentários:

Pedrita disse...

adoro esse autor, mas esse eu não li. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

É interessante, não só pelas questões que levanta, como pela informação histórica que contem e por permitir aquele gozo típico da escrita criativa de Mia Couto.

Unknown disse...

Já li vários do Mia e gosto bastante e este pela descrição também já me chamou a atenção...
P.S. Já li o Volfrâmio do Aquilino e adorei, é mesmo um excelente livro
Boas leituras

Nuno

Carlos Faria disse...

Volfrâmio tem uma riqueza lexical que não estou habituado nos escritores atuais.
O outro pé da sereia (que é a imagem) tem de facto informações históricas e imensos comentários na trama moderna que fazem pensar.