Acabei de ler "O Hóspede de Job" do escritor português José Cardoso Pires que, junto com José Saramago e António Lobo Antunes, fazem parte do trio que me cativou para a literatura lusitana da segunda metade do século XX.
Este pequeno romance, talvez mais uma novela, tem uma trama difícil de qualificar e de descrever, corresponde a um cruzamento de várias narrativas simultâneas passadas no Alentejo em plena ditadura do Estado Novo. Através destas apercebemo-nos do uso das forças policiais como instrumentos ao serviço da política e a desconfiança das populações. Vemos um povo rural que, maioritariamente, vive refém do trabalho precário em regime de jorna, pago como uma esmola e em que as famílias poderosas se sentem protegidas pelo sistema. Uma época onde as migrações internas em que autóctones e migrantes concorrem entre si em proveito das famílias bem estabelecidas. É um período em que quem proteste por melhores condições laborais pode ser considerado subversivo e em que Portugal entrou em guerra sem a população perceber porquê, nem sequer tem noção do que é um inimigo, enquanto num quartel as forças armadas recebem formação de militares por norteamericanos que olham para a miséria deste país, ora com pena, ora como uma terra de férias, e onde os danos colaterais desta decisão caem sobre pessoas indefesas e a desconfiança e o protesto são manifestados de modo escondido.
Um livro com uma escrita ao mesmo tempo poética, dura e bela, onde o autor faz um quadro do Portugal rural da década de 1960, com um povo indefeso, desconfiado, entre o acomodado à sua miséria e a luta por uma situação melhor, um confronto onde ser vítima e sobrevivente faz parte do quotidiano. Uma obra que foge ao neorrealismo costumeiro da literatura portuguesa de então e é uma homenagem ao irmão do escritor que morrera em serviço militar. Uma obra ainda sem a grandeza da maioridade literária José Cardoso Pires mas onde todo o seu potencial e originalidade já se mostra.
5 comentários:
não conhecia. beijos, pedrita
Ainda não li “O Hóspede de Job", mas concordo absolutamente com o Carlos, que José Cardoso Pires, junto com José Saramago e António Lobo Antunes, fazem parte do trio que mais cativou os amantes da literatura lusitana da segunda metade do século XX.
Sem dúvida que José Cardoso Pires, junto com José Saramago e António Lobo Antunes, fazem parte do trio que melhor representa a literatura lusitana da segunda metade do século XX.
Pedrita
O livro mais emblemático de JCP antes da revolução foi O Delfim, uma pedra no charco em que a literatura nacional parecia mergulhada. Um dos que mais gostei depois da revolução foi Alexandra Alpha onde o Brasil está bem presente no livro.
Ematejoca
Literariamente temos gostos muito próximos pelo que tenho lido aqui e no ematejoca
Agradeço seu conteúdo instigante. Sua postagem ressoou em mim.
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